18.9.19

Claraboia

Ao vigésimo segundo dia
o ato de contrição:
desarrumadas as ideias num gavetão rombo
espezinhava os estilhaços sobrantes
sem conseguir travar um esgar de dor. 

Possuía os dedos enquistados
e o atavismo das flores caducas
soava alto 
à boca de cena. 

Tirava as medidas ao arrependimento. 

Vestígios de um imenso nada
doíam nos olhos
assim marejadas no atraso das encomendas. 
Um passe de magia 
– em jeito de súplica sem destinatário,
como se fosse possível erradicar os erros
num golpe de asa que destruía o passado. 

Talvez não quisesse a redenção. 

Não sabia o que queria,
ao certo. 
Estava já convencido a errar 
pela maciez do tempo vindouro
quando notou numa centelha
a desfibrilhar a anemia dos sentidos. 
Era a terceira noite sem dormir
e já não sabia 
da fronteira entre lucidez e sonho:
agora era assaltado 
por um feixe de imagens recorrentes
atropelando-se umas às outras
numa agonia impaciente 
– um palimpsesto de sonhos 
situado
num palimpsesto dominante.

Quatro caminhos agravados aos braços
e um grotesco pesar 
alimentando-se da vetusta imagem do porvir. 
Admitia não saber onde estava
uma dor lancinante tomando conta do peito
à espera da misericórdia
(ou de um golpe de misericórdia,
já não sabia). 

Oxalá viesse 
depressa
o vigésimo terceiro dia.

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