5.9.19

Salvo conduto

Falamos em palavras descarnadas
como se as janelas não tivessem vidros
e a fúria e a bondade de tudo
se medissem numa névoa indistinta
entre os filhos de árvores fecundas
e a tinta vertida em páginas sem fundo. 

Sabemos do paradeiro do que somos
se parecem férteis as dúvidas sobre a linhagem
a controversa assinatura armada
em notários sem rosto
e em doces gestos repetimos os reptos
de onde sorvemos o retilíneo oxigénio. 

Damo-nos ao mundo
em troca da sua generosidade;
não devemos as mortalhas despojadas
e nem em memórias tornamos viável
o resgate que muitos habilitam. 

Do lancinante esbracejar das hesitações
colhemos uma habitação,
porém temporária. 

São as janelas descarnadas
os olhos agigantados no sopé do miradouro
os sísmicos dançares, desajeitados,
as muralhas por fazer e as que passaram 
a inúteis
o fogo que teima em ser imorredoiro
todas as canções indolentes
as fadas que se confundem com sereias
circuncisadas de matéria visível
e os penhores inteiros,
aos que não transigem com o alimento provável,
em dação dos corpos nunca exangues
por serem promitentes estafetas de esculturas
o mirífico lugar que ainda está por descobrir. 

O lugar
onde não há conhecimento da palavra “mau”
nem se corre por cima dos outros
na vergonha contumaz da desconfiança. 

Lá,
o lugar sem ermo
armado na consagração dos nomes inteiros
furiosamente bondosos
inteiros,
inteiros.

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