30.9.20

O refrão da modéstia

Na mealha da minha boca

um decálogo imprudente

(dirás)

matéria involúvel ao tornado divisa

o enxerto sem vestígios dos sequazes.

Na minha boca

os verbos impróprios

a teia 

(dirás)

quase gongórica

uma gramática sem paradeiro.

O pulso lento 

desponta no sangue inteligível:

desconheço

de que matéria sou feito

a não ser

da modesta ambição 

da invisibilidade.

#1747

[Crónicas do vírus, CCCXIX]

 

Sobre o princípio geral

do retrocesso,

sobra 

o retrocesso.

#1746

[Crónicas do vírus, CCCXVIII]

 

Dos passos atrás

sem saber

quando retalhar o retrocesso.

29.9.20

Jogo lameiro

O jogo sem calendário:

ausentes espíritos, 

como que almas desmaterializadas,

os contendores rivalizam

no amparo da sorte,

desdizendo capacidades,

entregues ao ópio do acaso.

 

Escondem o jogo:

viabilizam ardis,

na soez ufania dos ardis,

contabilizam os ganhos

no avesso dos rivais

desejam-se iracundos azares:

outra vez

sofismando a confissão das incapacidades.

 

O jogo não tem regras:

fazem-se e desafazem-se

no reto direito dos poderosos

os que por entorse 

a si chamam o império;

até que destronados sejam

por opoentes,

tão irrisoriamente fátuos quanto eles,

e tomem as rédeas das regras

só à espera que voltem a ser

morta letra.

 

O jogo inviável:

quem protestou a obrigatória demanda

a ferocidade dos passos artilhados

as armadilhas bajuladas

o imprestável sargaço deixado em restolho

a raça dos amestrados pela obnóxia descausa

impassíveis pela consumição do outro

por o outro 

não saber da inversão de estatutos

no passaporte escancarado à inumana interação

desarticulando-se

no vómito que os incinera pelas entranhas?

 

Para jogos destes

antes 

a apostasia do lúdico.

#1745

[Crónicas do vírus, CCCXVII]

 

Nunca foi tanta

a urgência de interrogar:

o que sabemos nós?

#1744

[Crónicas do vírus, CCCXVI]

 

Atirados

para o próprio fojo

reféns de uma estirpe

astuciosa.

28.9.20

Bainha por desmedida

Dito pelo avesso da lua

às vezes 

como se doze fossem os anos

e uma pueril cócega

enxertasse o presente com ilusões

no madraço contemplar da gramática.

 

Tido por estroina,

que os varões sintomáticos

desaprovam a utopia,

desabotoei o corrosivo uivar

e fui para a rua

só para apreciar o movimento,

prova de vida,

talvez,

uma simplicidade ímpar.

 

As mãos emaranhadas 

tropeçavam

em seus dedos trémulos.

 

Desse lisérgico esquecimento

validava as virtudes sem elmo

os povoados falares contra a tirania

a excruciante medida escondida

nos rostos disfarçados de iconoclastas.

 

Amaciei as águas frias

e delas 

devolvi ao regaço

a idade sem pesares limítrofes

a boca sem freio,

deleitosamente cais,

o não temível verbo contumaz

estruturalmente órfão.

 

E soube ser eu

tão diferente do diferente

estalão de coisa alguma

rosto destinado ao anónimo

profeta sem audiência

dizedor da palavra vaga

no socalco da meia tarde. 

#1743

[Crónicas do vírus, CCCXV]

 

Erros de aprendizagem.

Ou 

a tenacidade

do agente invasor.

#1742

[Crónicas do vírus, CCCXIV]

 

O passaporte 

sem marca de água;

uma página embotada

pela poeira insubmissa.

27.9.20

Decreto-lei

Dos jornais:

não grafitarás os comboios

sob pena de multa.

Em falta está saber

se os jovens que redecoram comboios

leem jornais.

26.9.20

Contar histórias de autoestradas

Contar histórias de autoestradas

os rodados continuamente rodeando

o asfalto que não dorme

áreas de serviço que traduzem descanso

e dois pontos separados pela avidez.

 

Contar histórias de autoestradas

quando o tempo se encurta

e dele sobra um remédio

para à existência dar uma poupança.

 

Contar histórias de autoestradas

portagem para um mercado abastecedor

no volúvel esfiapar da paisagem.

 

Contar histórias de autoestradas

onde a pressa estilhaça a temperança.

25.9.20

Metamorfose

Exila-se 

o maltrapilho

abjeto detrito social

pária sem paradeiro

nem inventário por anotar

morador de pardieiros. 

Do exílio 

fará convalescença

objeto de estudo da metamorfose

um caldo a preceito

dos estudiosos do arrependimento. 

No degredo

reabilitar-se-á

e depressa 

o desexemplo será bota descalça

e sem a bengala da reprovação 

conseguirá ser

alguém. 

Pois da terra que foi proscrito

o maltrapilho 

roçou os antípodas do paradigma

sempre a um canto

tratado com desconfiança

margeando as próprias margens. 

Hoje

ao longe

extirpou os sedimentos da pária condição. 

Exemplar

é agora a sua estirpe. 

Convocado 

pelo lugar de origem

o maltrapilho transfigurado mandou dizer

que havia proscrito esse lugar. 

#1741

[Crónicas do vírus, CCCXIII]

 

Ao menos

as outonais folhas mortas

não foram canceladas.

24.9.20

General decadência

Sabemos:

 

a decadência

está sempre à espreita

é espada sem aviso

irreparável

no doloroso estertor

que aviva a margem apodrecida.

 

Não há calendário para a decadência:

 

ela contém o seu próprio oráculo

mnemónica sabida

só depois do tempo.

 

Só então:

 

a decana decadência

se improvisa,

indomável,

e por suas lentes

tem assento as coisas baças.

#1740

[Crónicas do vírus, CCCXII]

 

Já ninguém

põe carantonha,

apenas máscara.

23.9.20

Lost in translation in between untidy words

“Thives like us”,

disseste

e eu traduzi:

a afeição que os ladrões 

têm por nós.

 

“Thives like us”,

reiteraste;

e eu percebi 

o que dizias:

nós somos 

como ladrões.

#1739

[Crónicas do vírus, CCCXI]

 

Repetição

ou enredo 

reinterpretado?

22.9.20

Envelope desfardado

Esta é a roda dentada

o pastel na paleta de intenções

o fogo imperturbável

a centrifugação que desaloja impurezas

o acostumado torpor na anestesia da matilha

o carvão alisado na folha de almaço

a inspiração que se perde na boca de água

o modo que não se convence da moda

uma escada íngreme sem cuidados

o mosto que amputa o intemporal

a beleza encerrada nos curros

(fugitiva dos Homens)

o manual de conversação 

o impecável instrumento do consentimento

o barril à espera de manteúdo

os dedos trémulos na forca do medo

o penhor de toda a lucidez

o manuscrito sem titulação

(passado a tinta da China)

a tenaz que apara o desassossego.

Esta

é a palavra dita

à revelia de conjeturas.

#1738

[Crónicas do vírus, CCCX]

 

Bordejamos o naufrágio

e vamos

pela corda do hábito.

21.9.20

#1737

[Crónicas do vírus, CCCIX]

 

Sedição aos costumes

ou

sedução pela alteridade.

Mosteiro

Pesa o sinédrio arcaico

no dorsal esmaecido

vitrina também gasta

do coloquial projeto de dia

na vez da indigência dos feitores

que ofende as balsas onde fermentam

as palavras imprudentes

o préstimo dos arbustos sem dono

a partitura onde se desenham versos

o avião longínquo

acertando no céu sem reticências.

Convoquem-se os ardinas

para que à luz nova tragam notícias.

Não interessa que notícias são;

se um dia quadrar com ausência de notícias

podemos interrogar a hibernação

ou o dia em capitulação?

#1736

[Crónicas do vírus, CCCVIII]

 

Não há meta

a preencher

o firmamento.

20.9.20

#1735

[Crónicas do vírus, CCCVII]

 

Amanhã

a casa

foi o exílio.     

19.9.20

#1734

[Crónicas do vírus, CCCVI]

 

Do frio 

a faca funda

que funde o futuro.     

18.9.20

Sobre o significado de dolo

Dolosos

os destroços armadilhados

nos templos inacessíveis

onde se tornam forasteiros

os contumazes devedores da alma

na contrafação dos espíritos.

Os ossos falam mais baixo

sussurram 

o vencimento do dia

à medida 

que as pessoas desenham seus vestígios

e sem mossa 

se recolhem aos aposentos.

É fim de semana,

exclama o operariado,

exausto.

Amanhã 

será trunfo outra rotina;

um sábado escaninho

a desautorização das horas

um estribo para o avesso da alma

um lampejo de outra fadiga.

Os destroços

são sempre armadilhados 

– sempre dolosos

(e, 

não por acaso,

dolo 

é anagrama

de lodo).

#1733

[Crónicas do vírus, CCCV]

 

Agora,

a valsa 

dos biombos.        

17.9.20

Lição do silêncio

A boca sem fogo

eterniza o frio da pele.

Enche-se de ar,

a boca,

para emudecer.

Ao tirocínio das coisas

falta a pedra angular

um farol de perseverança

a metade do caminho por alisar;

o silêncio quimérico

de uma boca emudecida

pelo frio glacial

que a paralisa,

falta. 

#1732

[Crónicas do vírus, CCCIV]

 

Participo do passado

a contar

com o futuro.

16.9.20

O janota sem penhor

Aperaltado

o janota fumiga

fantasmas avulsos

conversa com botões

desaparafusa consumições.

 

Não há nada

como ser apessoado 

– alvitrou

com a ufania em alta,

sintonizado

com um espelho magnânimo

mas judiciosamente falaz.

 

O aperaltado janota

até no pijama esmerava

fazendas das melhores circunscrições

não olhando ao estipêndio exigível:

assim como assim

os sonhos

            (asseverava,

de si para si mesmo,

com uma solenidade, 

vá lá, 

parlamentar)

 

merecem uma cama a preceito

e era nele que os sonhos se desabotoavam;

o apessoado deitar

era a tença a preceito,

a convocatória dos sonhos.

 

Quanto ao demais

nunca chegou a saber

se sob o verniz pimpão

o pano de fundo 

quadrava com a janotice.

#1731

[Crónicas do vírus, CCCIII]

 

Em lugar da acalmia,

sal derramado

na cicatriz por fechar.

15.9.20

#1730

[Crónicas do vírus, CCCII]

 

O filho das promessas

é o avô das desilusões.

Levantamento

Não seja 

por contraste

a fecunda estafeta de um nome;

não seja

por diletante tomado

o estroina sem apeadeiro;

não seja

por mitomania almejado

o suserano que está na moda;

não seja

por inveja 

a árvore existencial destronada

por excluídos da colheita;

não seja

em abandono deixada

a menina perene

enquanto órfã amanhece a bandeira;

não seja

tristonha a maré

enquanto da maresia sobram os seixos;

não seja 

estimada a loucura

por sucedânea da morte. 

#1729

[Crónicas do vírus, CCCI]

 

Não é 

uma corrida contra o tempo;

levará a palma

aquele

que menos mentir a si mesmo.

14.9.20

#1728

[Crónicas do vírus, CCC]

 

Desconfinar 

rima com

desconfiar.

Loa

A vida é uma.

A vida é una.

À vida

uma vénia.

A vida

é um vitral.

A vida 

não é venal.

A vida

é viável.

A vida 

é visível.

A vida

não quebra

à ameaça huna.

A vida

bebe no húmus.

A vida

é a vida.

Há vida.

Um ávido viva

à vida.

#1727

[Crónicas do vírus, CCXCIX]

 

Uma nuvem

densa

como num pesadelo

sem paradeiro.

13.9.20

Primaverações

Primavera-me,

disseste.

Como na polinização

as abelhas

intuem uma entrega,

primavera-me.

Eu

obediente 

como sabes

ser minha linhagem

fiz de ti 

rainha mestra

não sem antes

te primaverar.

12.9.20

Efeito de estufa

A boca rasga

as palavras.

 

Tende-as 

no sol ganancioso

a fala consuetudinária

em surdina.

 

A boca rasga-se

nas palavras.

 

Fabrica um lago mirifico

onde assentam intenções

vagos delírios sem aviso

o efeito de estufa

em forma de abismo.

 

O que seria de nós,

sem boca

e palavras?

11.9.20

Adiantamento

A formidável orquestração da alma

no irrisório lustro do oblívio

onde tudo foram nuvens

e o cimento cobriu o mapa,

tirando a raiz às paisagens.

Ouviam-se os gemidos sem rosto

e não havia reses por perto

nem o sumo de limões azedos

se vertia por cima das feridas abertas;

por junto

o horizonte desimpedido

as linhas simétricas 

onde assentam as exclamações

de tanta beleza reunida nas intenções

a prolixa invenção do desmedo

que sangra em vez do suor,

o lado lunar

a renovação.

Houvesse a coragem para a tribuna

em vez do esconderijo timorato

e os corpos seriam imperadores

em sua desinibição

recusadas as arcaicas cancelas

que os esbulham de autenticidade.

Os verbos plúmbeos

atirados contra a pele desembaciada

deixaram de ser injúrias sibilinas:

esses mesmos verbos

operam-se na antítese 

ao valerem mais do que são.

Visitam-se as catedrais esquecidas

no bolso da memória.

Envidraçados

os seus salões

perfumam os corpos

extraindo à força

a sua repulsiva contrafação.

#1726

[Crónicas do vírus, CCXCVIII]

 

Em exageros contínuos,

entre 

a apoplexia do pré-apocalipse

e a negação.

10.9.20

O disfarce das palavras

A gana não é real,

que de realezas arcaicas

esta não é terra prendada.

Nem a gana é africano lugar,

para desilusão da geografia.

Nem a África diz a gana respeito,

se a literalidade semântica

fosse o aval.

Nem menos se confunda

com esgana

não só 

por não ser correspondente

o termo

mas pela violência ínsita.

Gana como vontade,

que indomável deve ser

e nem dos costumes é devedora.

Assim sendo,

em que por temperado critério se diga,

que real é a gana

 

(no sentido hierárquico de real,

sem decair no acolhimento

da realeza).

#1725

[Crónicas do vírus, CCXCVII]

 

O sonho

outra vez,

ou o sonho embaciado

pelo remoçar dos fantasmas.

9.9.20

Transumância

Sentia o restolhar do granito

as botas 

impiedosas

esmigalhavam o granito

à mercê de forasteiros.

A aspereza da paisagem

cortava a garganta,

ou seria da canícula 

o sol extático a pino

vertendo a sua tórrida irradiação

sobre o corpo exsudado,

açoitado pelo sol.

As montanhas retalhavam a paisagem:

estava à mercê dos humores das montanhas

que a desenhavam 

sem régua nem esquadro

apenas com a virtude do acaso.

Procurei as cumeadas:

queria apreciar os montes e vales

em sua sucessão interminável,

como se o infinito tivesse ali moradia,

os rios quase escondidos, em segredo

a voragem dos desfiladeiros

que, aqui e ali,

escarpavam a paisagem

como feitoria de um abismo.

Rareava, 

a vegetação:

uns cardos de vez em quando

o tojo que só aparece nos altos territórios

a urze que definhava,

fora da estação 

– a tertúlia para os prazeres

e o indeferimento da anamnese.

A cada miradouro

o corpo transbordava;

o ar com densidade

tornava a respiração um ónus

todavia aliviado pela tela 

que compunha do olhar.

Às vezes,

uma ermida,

um cruzamento que desviaria das cumeadas

uma árvore tresmalhada

vestígios da fauna em sua escatológica prova

uma tímida nuvem arranhando o céu,

insuficiente para domar o sol irradiante.

Aproveitei para combinar juras

decerto desapalavradas à primeira oportunidade;

a fragilidade é um atributo

e as juras deviam ter recusa metódica

em vez de serem barco alistado.

Das cumeadas trouxe um dia ganho:

da osmose com a crueza dos elementos

fermentava a redescoberta.

Mergulha-se

na fragosidade dos elementos

no seu indomável perímetro

e é como se o corpo se banhasse neles

límpido e achado e desembaraçado

à espera das demandas em espera.

#1724

[Crónicas do vírus, CCXCVI]

 

Uma mordaça perene:

a devolução 

a uma liberdade amputada.

(Ou: o sonho húmido

de muitos mandantes

e não apenas.)

#1723

[Crónicas do vírus, CCXCV]

 

O dia

arrancado à boca,

uma mordaça 

perene?

8.9.20

Aumentativo

Esse dinheiro daninho

tatuado no exílio 

da minha pele

mantimento acima do sol

ou a veia refluída na toga

enquanto espero 

– e na espera

espero que não seja 

prelúdio

o desejo da manhã.

Cura

A laceração

marcada

a cal viva

emerge da cicatriz.

Há nódoas

que se demoram

nos vincos

da memória.

Hoje

sei dos avisos

até dos que são

a destempo.

O tirocínio

é contínuo

e deixa

em seu rasto

a impávida

instrução.

Não há cicatrizes

imunes

à fotografia do acaso.

Para isso

tem serventia

o mecenato

em colheita diligente.

Da laceração

não sobram

provas.

#1722

[Crónicas do vírus, CCXCIV]

 

A metáfora fidedigna:

como uma tartaruga

de pernas para o ar,

esperneando.

7.9.20

Teoria geral da (fraca) poupança

O pé-de-meia

devia ser proibido;

digo:

a expressão idiomática,

lavrada 

sabe-se lá 

se pelo povo

ou por eruditos cobertos de sapiência,

devia ser exilada,

para os mais novos

(e os mais velhos,

mas apenas os contumazes)

não caírem num logro semântico:

como pode 

o significado de pé-de-meia

conter a ideia de entesouramento

se pouco é o pecúlio que cabe

num excerto tão abreviado

de um par de meias

(é só metade do par,

e nem na sua exata fração,

que apenas o pé da meia 

serve para o aforro)?

 

(Termos em que 

um perito de economia

diria 

ufano de sua descoberta,

que a reduzida propensão para a poupança 

– opróbrio desta nação –

tem fundas raízes

numa entorse da semântica.)

#1721

[Crónicas do vírus, CCXCIII]

 

Ofício pretensioso:

a arimética dos sonhos 

– o lugar onde se guardam 

as ilusões.

6.9.20

Anti elegia

Os dentes do fogo

acarinham os nomes sem paradeiro.

O absoluto medo

não convence os astutos,

seus verbos

doces cantos do mar.

Se 

em vez 

de ar pesado

umas estrofes improváveis 

gravitassem nos rodapés sem visibilidade

não se falaria de obituários

 

(esses gananciosos estipêndios

da hipocrisia).

 

Se 

em vez 

de morte

houvesse um luar por cada vida

e por cada dia dessa vida

os pesares

não seriam rima do ocaso.

5.9.20

Estimativa

Este 

é o sol vadio

a sílaba insubmissa

o louco colo, partidário

a praia onde se jogam as marés

a voz que fala um nome

o lugar confiável

extraído ao bolor da indiferença. 

 

Estas 

são as mãos artesãs

que engenham o amor

o fusível sem entulho

espuma rasa no dorso dos dados

estrofe que desmente os vultos arqueados

quimera sem adjetivo

superação. 

 

As mãos 

que costuram

um lugar

a identidade 

na fusão dos corpos. 

 

Esta

a nossa

verdadeira nacionalidade

que dispensa passaporte

e não se aprisiona a um hino

o amor matricial

areópago 

da nossa anarquia organizada

tutores do luar caiado

por nossas mãos se movendo o entardecer

até que ordenemos 

a continuação das horas.

4.9.20

Perseguição do avesso

Persegui o divino

e ele de mim participou 

às autoridades. 

Alegou

não ter inventariado

sua presença

e que é de esperar

que o perseguido se sinta acossado

pelo perseguidor

e não o vice-versa. 

Do paroxismo desta perseguição

vem à rede 

uma intendência

(ou, melhor processando, 

duas intendências):

numa perseguição

o predador 

tem de ter os olhos na presa

e se ela não está à vista

não chega a ser

perseguição;

não é do foro da perseguição

se estiverem de avesso os papéis

e atrás do perseguidor

um fantasma brandir 

o seu inexistir

como ameaça.