9.9.20

Transumância

Sentia o restolhar do granito

as botas 

impiedosas

esmigalhavam o granito

à mercê de forasteiros.

A aspereza da paisagem

cortava a garganta,

ou seria da canícula 

o sol extático a pino

vertendo a sua tórrida irradiação

sobre o corpo exsudado,

açoitado pelo sol.

As montanhas retalhavam a paisagem:

estava à mercê dos humores das montanhas

que a desenhavam 

sem régua nem esquadro

apenas com a virtude do acaso.

Procurei as cumeadas:

queria apreciar os montes e vales

em sua sucessão interminável,

como se o infinito tivesse ali moradia,

os rios quase escondidos, em segredo

a voragem dos desfiladeiros

que, aqui e ali,

escarpavam a paisagem

como feitoria de um abismo.

Rareava, 

a vegetação:

uns cardos de vez em quando

o tojo que só aparece nos altos territórios

a urze que definhava,

fora da estação 

– a tertúlia para os prazeres

e o indeferimento da anamnese.

A cada miradouro

o corpo transbordava;

o ar com densidade

tornava a respiração um ónus

todavia aliviado pela tela 

que compunha do olhar.

Às vezes,

uma ermida,

um cruzamento que desviaria das cumeadas

uma árvore tresmalhada

vestígios da fauna em sua escatológica prova

uma tímida nuvem arranhando o céu,

insuficiente para domar o sol irradiante.

Aproveitei para combinar juras

decerto desapalavradas à primeira oportunidade;

a fragilidade é um atributo

e as juras deviam ter recusa metódica

em vez de serem barco alistado.

Das cumeadas trouxe um dia ganho:

da osmose com a crueza dos elementos

fermentava a redescoberta.

Mergulha-se

na fragosidade dos elementos

no seu indomável perímetro

e é como se o corpo se banhasse neles

límpido e achado e desembaraçado

à espera das demandas em espera.

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