O que se penhora
nas dádivas que confiam
nos eremitas impensáveis?
A geografia da alma
não aprende com o caudal matinal.
Se em vez de um idioma sem voz
falasse por palavras brancas
podia tomar em mãos o dicionário
e fazia com que o dia fosse pecúlio.
Sei que o aluvião arroteia o rosto cansado:
o entardecer arruma as impurezas
e os olhos ensinam a lucidez
que não se aprende nos manuais.
As flores atiram-se contra a maré alta.
Transigem com os nós de espuma
que a nortada ensaia,
enquanto as peças do puzzle se insubordinam
na levedura da noite.
No tribunal do esquecimento
traduzo as cicatrizes da alma
(as minhas,
que as dos outros me são desconhecidas).
O céu entediado
responde com o acobreado que pressagia
o crepúsculo.
Por dentro do torpor,
o olhar diluído no horizonte,
ouço o magma que crepita
nas profundezas.
Pergunto
se sou eu
o compositor do devir
ou se me devo cingir
à resplandecente indiferença.
À minha volta
um cerco de palavras
desarruma a gramática.
Tomo por fundo
a aviltante grandeza ostentada fora de mim
o astucioso desfazer de armas
em que sou pária.
Se soubesse costurar a desfala
atirava as fotografias havidas
para o panteão das desmemórias.
À falta de melhor
conto as páginas
do calendário.