30.9.22

Tirania do des-saber

Desde o lugar onde estou

dou à dúvida o benefício metódico. 

Dos cultores das certezas afiveladas,

pederastas dos des-saber,

fujo como se uma dissidência matriz

ditasse o sentido único

(e entro em contramão,

concedo,

por negação do metódico benefício da dúvida):

dos lugares-tenentes de tão ousada

ausência de dúvidas,

deles que já têm respostas no coldre

antes de haver tempo para o lugar das perguntas,

quero saber ser meu paradeiro

um antípoda lugar. 

Dos empobrecidos espíritos,

macilentas imagens que se autorreproduzem

ao sentirem a sua proclamação 

no espelho em que admiram,

quero ser antítese:

deste ensimesmar todavia autista,

em fuga dos predicados do muito mundo lá fora

tão maior do que a sua pequenez, 

espere-se apenas 

colheita sofrível. 

Injustiças indocumentadas (23)

Uma estrela cadente

não é uma estrela decadente;

uma estrela decadente

pode ser uma estrela cadente.

#2540

As palavras cruzadas

são como

as pernas cruzadas.

 

[Insinuação]

29.9.22

O jogo para depois

O que se joga depois,

as armas deitadas na vertical

dando estuque às paredes estilhaçadas,

e todas as luzes apontadas

ao luar seráfico que se agiganta contra o dia.

 

O que se joga depois:

as peças sublevadas

contra o despedaçado anfiteatro

por onde passam as artérias decadentes

o sangue vagaroso

as estrofes mundanas que se seguem

ao silêncio diligente.

 

Cortam-se a eito as arestas que doem

e fica o vazio

um imenso lugar à espera de paradeiro

à espera que o colonizem.

Não serei eu

o agente escolhido

que a minha vontade é indisponível

e da noite levo os cestos vazios

para depois neles juntar todas as mãos idas

e chamar ao medo os nomes mais feios.

 

Deixo a espada hasteada 

para destroçar os peões,

a quem chamo mastins.

 

O que se joga depois

é só outro jogo à espera de vez.

As páginas

não são diferentes 

de outrora,

contra as esperanças fermentadas

no melhor mel.

#2539

Dou ao vagar

a vaga imprecisa

antes que vague

na vaga excruciante

da maré.

28.9.22

Ferrugem

Feita a finta ao finório

faltava furtar ao farsante

o fruto fruste em fábula final. 

Falei ao fiável

fugindo da frustração fiel

no fogo fermentado no facho fecundo. 

Não é ao furibundo,

o furtivo francês em força fatal,

que a festa se afidalga:

o forte fundiu-se na fervura tão fútil

e a farda enfastiou-se no fácil farejo. 

#2538

Não estou convencido

que a teoria da conspiração

seja o consistório da prática.

27.9.22

Das enciclopédias que não interessa dar parte

As portas duras 

tiram a alfândega da letargia. 

Dizem:

há fronteiras

outra vez

onde já antes tiveram praça. 

Ao menos 

sabemos

que o sangue não obedece

aos impedimentos dos burocratas

das almas derrotadas pelo nanismo

dos que metem baias nas pessoas

só porque têm diferentes falas

e culturas e costumes

e tornam essas baias em metáforas

de balas. 

Quem inventou as fronteiras

devia ser condenado ao olvido

e rasgadas seriam 

as páginas a eles dedicadas 

na enciclopédia dos saberes.

#2537

Seja feito de asas

o idioma apurado

e o mar sem fim

por cima das fronteiras.

26.9.22

Notas avulsas do dia avulso

Notas do dia:

a nortada

tempera o Outono

ainda madraço;

 

contra os impropérios

e outras miopias mentais

as bocas

todas as bocas 

– sem exceção – 

não podem

não devem

ser caladas

ou temos o dever de arcar

com não solicitados tutores

que apascentam a moral 

que não lhes diz respeito

(a que a cada um pertence)?

 

a volumetria da acefalia

precisava de ir a termas

só para tentar uma cura;

 

Berlusconi foi retirado

do cemitério;

 

houve um rapaz

perdido no meio

de uma roda de bicicleta 

furada:

jurou

como se fosse preciso jurar

que fora muito diligente

e jurou ainda

que não sabia como acontecera

a avaria 

– e eu lembrei-me do “Avarias”

a maratona minimal repetitiva;

 

para honrar a rotina

(e a monotonia acrisolada)

o comentador-geral do reino

comentou

sobre variegadas pendências;

 

ao menos sei

que outubro vem depois de setembro

sem ao menos pressentir

nas sílabas de outubro

se este palco contínuo

risivelmente contínuo

se encerra na decadência do tempo.

 

A palavra de passe

do dia 

é

 

remediar.

#2536

Arrancam-se as teimas

no tirocínio da tempestade:

a cólera 

não é a moeda forte. 

25.9.22

Injustiças indocumentadas (22)

Ao parecer de César 

não basta ser mulher, 

tem de ser sério.

#2535

Não percebo

por que ainda ninguém inventou

gurus de autoajuda

para ensinar a sair de escadas rolantes.

Sociedade Anónima

Longa se torna

a estrada

no trono largo

em que tem estrado.

Neste estado letargo

tarda o lastro

e nas tornas se estuda

a litania estrénua.

Torna longa

a estrada

e larga no estirador

a trova que incendeia

o estridente lugar.

24.9.22

Injustiças indocumentadas (21)

Sete

são as vidas

de um gato.

Ainda está por provar

o exercício cabalístico.

#2534

A boca acorrentada

refém de um navio

que não traduz marés.

23.9.22

Dia-a-dia (altar dos apedeutas)

A paz recente

confiscada no dorso mau

os Homens em força bruta

sem a flor de sal como tempero

apenas o previsível caudal

tirado à força do coldre abastado.

A paz recente

miragem

subleva-se nos contrafortes do ultraje

virado do avesso

como boomerang que aterra

de cabeça

na cabeça do seu mandante.

Alguns

mais cínicos

chamam a isto

justiça divina.

#2533

As pontes dinamitadas

a carne corrompida

as vidas efémeras

irrisórias.

22.9.22

Outonal

Da argamassa como zelo

um oráculo do avesso:

amanhã é futuro

(dizem os evocativos)

e parece que se faz Outono.

A lousa será a cor a preceito

mas só quando a invernia

ocupar o seu lugar.

Entretanto,

não se esbanje o telúrico espetáculo

das folhas outonais que se desprendem

em vida disfarçada de decadência.

Não se omitam

das páginas emolduradas

as matizes acobreadas 

que serão a gramática das florestas.

Este é o Outono

que apetece guardar

em fotografia de elevado mercado.

#2532

O aroma deste tempo

não é um comboio

que queira 

para minha leva.

Onírico

Os sonhos 

coabitam na perenidade 

que é interdita às vidas.

 

Os maiores tiranos

são os que ambicionam

nacionalizar os sonhos.

 

A máquina dos sonhos 

é a maior invenção 

de todas.

21.9.22

Injustiças indocumentadas (20)

Não fazer ondas

para não se ser vítima

de um tsunami.

 

[Teoria do boomerang]

#2531

O mau da fita

não é mau

sem fita.

As cicatrizes

As cicatrizes homologadas

antes que o tempo traga uma razia

e os penhores subam aos mastros,

o aval emprestado ao grito.

São as vozes de comando

que emudecem

matrizes frágeis no tabuleiro dos corpos.

Dizem:

amanhã tratamos do assunto.

É por isso

que as cicatrizes 

se tornam tatuagens.

20.9.22

Injustiças indocumentadas (19)

Ir desta para melhor

é mentira de um distraído

ou é contado

pelo suicida

ou pelo afogado em antidepressivos.

O oráculo de Cesariny

“(...) o vinco das tuas calças

está cheio de frio

e há quatro mil pessoas interessadas

nisso. (...)”

 

Mário Cesariny, “De Profundis Amamus”, in Pena Capital, Assírio & Alvim, 1957.

 

Cesariny

foi um iluminado

um homem muito à frente

do seu tempo;

em 1957

já pressentia

o fogo-fátuo

das redes sociais.

#2530

Sou

o xisto

onde se deita

o luar.

19.9.22

O Homem como lobo de si mesmo

Arranca-se a voz trémula

aos peões que aparecem à frente

em substituição das covardia

dos mandantes.

Eram a carne para canhão

hoje

são a carne e os ossos e o sangue

e almas

em dádiva

aos arsenais perfidamente sofisticados.

 

De um golpe só

o pensamento estaciona na angústia

de quem sabe

tanta ser a lucidez dos Homens

em proveito de totens que tornam

ridiculamente nula

a vida do Homem sem nome 

– em proveito dos soezes 

que não sabem que os Homens têm nome.

 

Aos soldados

devia-se ensinar

a saberem soletrar os seus nomes

e meia dúzia de artigos

(apenas os mais distintos)

da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Para que o Homem

todo o Homem que tem um nome

e uma alma não venal

não tenha de derramar a angústia

ao saber de todas as terras

onde o sangue vertido 

tomou o lugar

das lágrimas.

Para que esse Homem,

todo e sem exceção Homem,

não se esqueça do seu nome.

 

Para que não haja 

soldados

apenas Homens.

#2529

Delírios místicos 

– dizia, ufano

Convencido do que fora

Património pretérito;

não precisava de ter como morada

o hospital psiquiátrico.

 

[“Pára-me de repente o pensamento”, de Jorge Pelicano]

18.9.22

Concurso

Dos jacarandás

o verbo irradiante

uma centelha 

que adormece as trevas

o curso de um rio

de onde mana o ar sem areias

o decilitro cheio

sem se disfarçar de meias medidas

a fronteira desaproveitada

no caudal de calendários

que aformoseia 

um dia 

sozinho. 

No estábulo das ideias

o jacarandá acabou de florir

e eu sei

que por maior prodigalidade que seja

ninguém se encontra 

nem nas bainhas descosidas

nem no centímetro a mais,

condenado 

ao desperdício. 

#2528

Dos chás

em possibilidade referencial

cheias ainda as chávenas

que por endereço têm

almas outras. 

 

[Londres]

17.9.22

Mentir ou viver

Mentir para viver

a praça-forte do resignado

disfarce que já nem é 

fingimento

acorrentando num palimpsesto 

de paralelas inverdades

sem se constituir arguido 

por mitomania. 

 

Mentir para viver:

ou não saber 

que a mentira vem no dicionário

e não se subleva 

contra os seus patriarcas.

#2527

A resina nas mãos

divide o dia

em hemisférios não calafetados.

16.9.22

Injustiças indocumentadas (18)

Desconfio

que um rasgado elogio

é um elogio rasgado.

Injustiças indocumentadas (17)

Se há um Porto Santo

que agravo cairá

sobre o outro Porto?

#2526

E agora

que o luar emudeceu

dizemos que o mar

é composto pelo nosso olhar.

15.9.22

Cassiopeia

 

Ólafur Arnalds, “The Invisible Front”, 
in https://www.youtube.com/watch?v=9yfL28dhedc

Na boca

o meu corpo

um vulcão pária

onde a tua pele se tatua

na certeza que é amanhã.

Acerto de contas

Se ao menos

hoje

houvesse um vulcão ativo

só para cobrir os olhos

com a cinza.

Se ao menos

do sangue vívido fruíssem

peixes 

– eu lá sei se peixes – 

e um detonador ressuscitasse o zero

e desse zero subissem montanhas 

o punho irado a remexer o céu

e dele, 

indisposto,

um vulcão do avesso

bolçasse a sua lava amoedada.

Hoje

só hoje

até que a fratura dos dias

dissesse

em murmúrio sortílego

que as migalhas do medo

não contam para o PIB

nem as realezas defuntas

passam das páginas amarelecidas

em que se sepultam.

Do pé do precipício

com paisagem improvável a beijar os olhos

sacudimos as cinzas que os embotaram

e de alma lavada

as mãos tingindo o céu com uma cor despoluída

dizemos o que dantes não foi dito

e dançamos

– ah! sim, dançamos! – 

para povoar o sangue com a História do futuro.

#2525

A vela permanente:

o mar que se sente

no mal que se lamente.

14.9.22

Audazes (ode)

Toda esta gente

tanto este arrependimento

todas as luzes desfocadas

talvez o areópago indesejado.

Todo o penhor desalmado

tanta a ferrugem na boca

todos os remédios fingidos

talvez a suposição de um abismo.

Toda esta fala 

tanto o silêncio

todas as estrofes permeáveis

talvez na abastança das almas.

Todo o critério exilado

tanta a bravata improfícua

todos os dedos altivos

talvez a noite aberta aos audazes.

#2524

Deixas na cela

a veia sem sela

a ideia que se sela.

13.9.22

#2523

Um grito

que emudece

na tempestade diuturna.

12.9.22

O Outono prematuro

Um murmúrio do Outono

conta com a chuva morna

vertida pelo céu pendido. 

 

É uma chuva 

que mente ao calendário

e diz aos costumes:

 

os marcos geodésicos do tempo

são arbitrárias convenções. 

 

A chuva inaugural

desmentindo o Verão em seu lugar

amacia a pele gasta pelo sol repetido

em presságio outonal. 

 

Sentado nos lugares da frente

deixando

o corpo experimentar a chuva destemida

como se houvesse um chamamento

pela dobra do Verão:

 

a chuva,

dizem uns protestos ecoados

por vozes em surdina,

foi proclamada a destempo,

cicia

as páginas que são uma profecia

arrancando outras de permeio

em ligação direta 

 

com um tempo que está à espera de tempo. 

#2522

Sob o céu derruído

sequestrado por um pesar

lamacento.

11.9.22

#2521

Não cumpro resposta

para as perguntas salinas

e adio a maré

antes que me constitua 

náufrago. 

10.9.22

Homenagem

Se é da fortuna

o relógio andante

gabo-me da safra

na colheita da medida

do tempo. 

 

Se é do acaso

ou da temperança 

dos dias sucessivos

não tenho modo

de atestar. 

 

Se é das mãos

que se metem, 

fundas,

no chão húmido

em demanda da fortuna

podem testemunhas válidas

certificar em boa memória;

e se é do porvir

que despendo o tempo servil

deixando ao proveito do olvido

o denso passado em lei de bronze

inscrevo no percentil das hipóteses

o rosto parcimonioso

que espera 

sem denunciar o destempo de outros

o poema vivo que espreita

sobre a varanda que deixa ver

o esvoaçar dos dias sucessivos. 

#2520

Rasgo

a profecia rarefeita

antes que seja despojo

da minha própria circunstância. 

9.9.22

Injustiças indocumentadas (16)

Não se aleguem

barrigas de misérias,

não vá cair o libelo

de body shaming.

#2519

[Continuação do #2518 por outras palavras]

 

Ah!

se ao menos

o Instituto Nacional de Estatística

fosse amestrado.

#2518

O Instituto Nacional de Estatística

teimosamente

bolça números ingratos,

números que causam desprazer nos regentes.

 

[Inspirado em Auden]

8.9.22

Sobre a inutilidade dos arrependimentos

Em reparações convulsivas,

os arrependimentos.

Não choram as lágrimas

ausentes:

fingem

no fingimento irresponsável

de quem é intencionalmente farsante

do passado. 

No fim do ciclo

tudo fica por reparar,

pese embora convicção usada,

pois o irreparável apenas se adestra

com o jugo do futuro.

#2517

Neste matadouro colossal

que é o teatro 

onde somos matéria pública

não há direito a segundas hipóteses.

7.9.22

Elixir

Às páginas do calendário

penhores máximos da crueza do tempo:

antes desfocadas,

vasos sanguíneos por onde desfila

o tremendo apetite que esconjura 

o medo. 

 

Dizemos

em brandos sinais

que um teatro herético que absorve a geografia

a abundante lógica sem formalização

ou apenas 

a telúrica palavra

que abranda as dores que destilam o corpo. 

 

As ideias passeiam

insubmissas

no copo que recebe os lábios em ebulição:

parecem folhas outonais

desarrumadas 

por um vento que entoa a tempestade

vão e veem no indeclarado óbito dos soezes

desautorizados artesãos que esculpem

o céu perenemente plúmbeo. 

 

Tomo o dia

como pressentimento de mim

e julgo

com as armas retóricas que não tenho

as relíquias que esperam pela minha feição. 

 

Se as mãos 

não servem para agarrar o dia

antes nos destinem a proibição do modo

o intempestivo flagelar que lembra,

com a persuasão da dor que de nós se abraça,

que somos filhos pródigos 

da vontade que se agiganta 

nos poros suados.

Depósito a prazo

O ocaso 

não é a fala do medo

é a véspera da glória 

que se evade dos destroços.

#2516

Nos rostos amanhecidos

o rasto de vulcões

silenciados.

Injustiças indocumentadas (15)

Contrainformação

– e a informação 

não retalia?

6.9.22

As vidas sem biografia (apostilha do anonimato)

Quem sobra da catástrofe silenciosa

quem se opõe à vertigem dos argutos

da perseguição dos rostos irreferendáveis

dos povoadores de ideias sem paternidade?

As laranjas secas 

fruem nas planícies decadentes.

Os latidos rompem a placidez da madrugada

entoados por sacerdotes sem séquito

em alvoroço 

pela ausência das estatuárias credenciais

em vez da orfandade que os segue.

Sobram do vento futuro

as profecias que não cobram rostos

a matéria puída dos filamentos frágeis

que são os vasos capilares que mantêm

vidas sem biografia.  

#2515

O gatilho

leva sempre a direção errada

a menos que esteja

calado.

5.9.22

A janela

A janela não é nada

se não se abrir

para uma rua formosa.

 

A janela não é nada

se corromper o silêncio.

 

A janela

não é nada.

 

A não ser

que esbraceje a manhã sumptuosa

e no teatro fundacional

perfume a casa com o aroma 

inaugural.

#2514

Fujo do coro

e não coro

que a cor do coro

não é a cor

por que me ancoro.

#2513

Ninguém vai preso

por ter cão

ou pela sua ausência.

Injustiças indocumentadas (14)

Um nó,

górdio.

4.9.22

#2512

A solidão

não escolhe

os solitários.

3.9.22

#2511

Realojas o medo,

a franquia pesada

do futuro.

Injustiças indocumentadas (13)

Maus lençóis

porque

más são as camas.

2.9.22

Antropologia das bruxas

És uma bruxa,

ou és uma bruxa,

Derruído pelo abismo do tempo?

Uma bruxa que resfolega o mirante

sucedâneo de morteiro andante

morteiro mortal

            morteiro          mortal

 

(como se a musicalidade das sílabas

se abraçasse numa tela hedionda

onde está vertida a venalidade da espécie).

 

Bruxas

somos todos?

Se demandássemos um compasso,

um compasso comprovado

pelas entidades regulamentadoras,

diria de nós o compasso

que somos bruxas,

depravadas na exaustão que rima

com autofagia.

 

Espantam-se até os espantalhos,

primos diletos de todas as bruxas,

avoengos das rezes lisérgicas

que compõem a paisagem sem nome.

Pedem

que não se sonegue

a curadoria dos estultos.

#2510

Dêem-me

da vitamina mais forte

a poesia 

de toda a forma e feitio.

1.9.22

Castelo

As manhãs correm no seu tempo. 

Cada feixe de luz

devora a letargia herdada da noite. 

Não são os olhos estremunhados

que depõem o dia emergente. 

De cada vez 

que as veias incendeiam o sangue

abre-se a escotilha por onde espreitam

os mais ácidos marinheiros 

da vida. 

Não se intimida o espírito

com os laivos de apatia somados ao tempo;

o fogo que levita no magma

cuida dos preparos do dia

inventariando-o como porta-voz

de um saber viver 

que não se aprende nos compêndios.

#2509

A outra margem

não está fora de mim:

a mim, a ponte fundacional.