20.5.15

Marca registada

O peixe nómada
conheceu o sal de todos os mares.
Sulcou águas quentes
água frias
águas nem quentes nem frias
mais salgadas ou temperadas
fundas e de coral
lânguidas e tempestuosas.
O peixe nómada
não apreciava a quietude de um lugar.
Demandava mares outros
às vezes sempre sozinho
outras intruso de cardumes outros.
Conheceu peixes diversos
de feitios diversos
de confiança diversa
e olhares diferentes.
Falou as línguas dos peixes de lugares diferentes.
Tantas milhas náuticas nadadas
mas de cansaço não havia vestígio.
Fugiu às artes de pesca
fugiu de tubarões predadores
escapou à fúria de tufões
e aos hélices trovadores de navios mercantes.
Enredou-se em algas em refrigério das escamas
adoentou-se em mares fétidos
intoxicou-se com detritos de petróleo
vertidos por petroleiros insanos
extasiou-se nos mares de coral.
Mudou de escamas e de cor
aprendeu a olhar pelo estalão de diferentes mares
foi e veio com a vontade das marés.
Dizia uma lenda
que o peixe nómada era eterno.
E que a eternidade
vinha dos diferentes mares mostrados.
Peixes houve
que sabendo da fama do peixe nómada
queriam confirmação do atributo.
O peixe nómada desconversava
enquanto demandava a um mar diferente.
Havia sempre mares novos.

19.5.15

Conspiração do vento

Devem ter importunado Éolo.
O deus do vento
surdo aos chamamentos de Zeus seu pai
deitou as entranhas ao exterior
e desatou um vendaval solarengo.
Ninguém pode sair à rua
sem levar com refegas de vento
que interditam a respiração,
sem ganhar novo cinzelado ao cabelo.
Éolo mete a mão debaixo do mar estouvado
há ondas a trepar por cima de outras
e generosa espuma entre ondas desfeitas.
Bem prega Zeus
para aplacar o iracundo Éolo;
os filhos alforriam-se
os pais confessam impotência
e tirocinam consumições.
Levam com salpicos do mar na cara
mercê do vendaval que traz mar à praia.
O vento bolçado
que quase arranca arbustos pela raiz
é a impertinência do jovem Éolo.
Enfim convertido deus do vento.
Deus que deus é
não dá o flanco a deus algum
(nem que deus esse seja seu pai).

18.5.15

Elogio da loucura

Vozes embargadas
sorrisos lunáticos
medos tresloucados
prisões mentais
passeios apoquentados.
Loucos aprisionados dentro de si
como lobos esfaimados da liberdade
e, todavia,
pressentem o resguardo do manicómio.
Patologias e comprimidos
angústia interior de fantasmas dispersos
mãos trémulas que são queimadura da vida
noites em gritos lancinantes
por temor do que só eles sabem ser temor.
Loucos de si
e pela lente dos não dementes como nós
ou talvez tudo no seu contrário:
eles, ao menos, desconfiam que o são.
Congeminam um sentir genuíno
palavras desprovidas de peias
gestos sem decaimento:
uma afinal lucidez que devolve a demência
aos que de fora os olham como loucos.
E nem que as grilhetas da noite sussurrem ao ouvido
em prédicas canibais que só eles escutam;
nem que fantasmas comam o pensamento
e que de fora sobressaia pesporrência
dos titulares do pensamento arejado;
nem que os loucos estejam sitiados num cárcere
e por dentro das suas cabeças voem monstros alados
e nós, os orgulhosos da lucidez,
tacanhos de loucuras indecifráveis;
e nem que se joguem os mitos todos
contra as paredes dos manicómios
e se desfaçam na poeira singular
dos singulares gestos loucos
– nem contra todas as intempéries mentais
ou contra os arrevesados descaminhos em que se amordaçam
e menos ainda
contra a lividez que destempera os lúcidos do espaço:
sobram as algemas nuas
outrora alojamento de um louco sem freio.
Mas são os loucos que domam
os cavalos selvagens que povoam as paisagens
por mais que julguemos
(os arrogantemente desembargados de condições mentais)
que pegamos na crina do cavalo
e somos seu máximo tutor.
Dos loucos aprendemos o desapego
a filosofia dos corpos sem tédio
os esgares teatrais que só fazemos na intimidade
o indomável pensamento que segue
livre e destemperado
pelas fronteiras dos ilimites.
Até que nos alvores de um tempo imaginado
loucos o não sejam
devolvendo a impureza da loucura
aos tantos saudáveis que a escondem
debaixo dos saiotes que são refúgio covarde.
Pois por dentro dos sonhos inconfessáveis
sonhamos ser loucos.

13.5.15

O véu dos amantes

Amantes embriagados
com o antídoto do desamor.
Sussurram palavras quiméricas
enquanto embargam o sal do vento.
Amantes de rostos hasteados
compõem estrofes debruadas a ouro.
Perfumam os quartos
com impuras impressões digitais.
Amantes entronizados
com coroa trespassada por bondade.
Desenganam os arbítrios
à medida que trocam de pele.
Amantes que se amam na função inata
enquanto amantes que são.
Pois de amantes serem
congraçam a balsa dos delírios.

12.5.15

Louvores matinais

O velho da barba rala
em tendo ido comprar o leite do dia
e enquanto esperava que o semáforo desse passagem
entreolhou as pessoas à sua volta
que transitam na azáfama que ele deixou de conhecer
(méritos da reforma).
Passa um autocarro à pinha
e o chão debaixo dos pés é como tremesse.
Noutro troar, agora vindo dos céus,
um avião desce para o aeroporto.
O velho
à medida que desenriça dois pedaços de barba
indaga de onde virão as pessoas naquele avião
e se somam mais fortuna que as pessoas do autocarro.
O velho quase decai:
quase sente uma teimosia a esbater-se
quando, num ápice,
se adivinhou na distante cidade de onde viria o avião.

(Ele que nunca foi cinquenta milhas longe de casa
e sempre teve medo de apanhar um avião.)

O semáforo pôs-se verde
e pareceu que tudo parou:
ele era o único utente da passadeira.
O avião foi à sua vida
o autocarro também
e o leite lá se fez, tépido, ao pequeno-almoço.

11.5.15

Entardecer

Calculo
que a aritmética
e os demais sortilégios divinos
foram congeminados
numa esplanada com o mar
como pano de fundo,
ao entardecer.

8.5.15

Sapatos trocados

Pegou no copo de vinho
bebeu-o até à última gota.
Bebeu outro.
Três, quatro
a garrafa inteira.
Uma segunda garrafa.
Julgava-se, então, filósofo emérito.
Ensaiou a hermenêutica
de um poema mentalmente idealizado.
Sentia as palavras indomáveis
brasonado pela irrefreável criatividade.
Sentia os pensamentos que vinham
com a velocidade do vento sagaz.
Formalizou páginas a eito
sem cuidar de voltar atrás nos parágrafos.
Depois se veria a gesta
quando depois da alvorada
(e ainda imerso em cefaleias próprias)
a lucidez da sobriedade pudesse julgar
a lucidez da embriaguez.
Tinha medo.
Tinha medo que à lucidez embaciada
creditasse préstimo que julgava ausente
na lucidez sóbria.
Depois veio a contumaz interrogação:
como podia ser a lucidez embriagada julgada
pela lucidez da sobriedade
se as duas se amanham por diferentes medidas?
Não obteve solução para nenhum dos enigmas.
Nem voltou ao despautério do vinho excessivo.

7.5.15

Fogueira

Da fogueira em crepitação
um naco de madeira incensado
nutrindo archote precisado.

O archote empunhado
contra o ardil da noite madraça
trespassando a penumbra.

Revivesce, traindo a decadência,
num solfejo capaz
devolvendo a maciez da luz.

Todas as centelhas se embebem
por entre a rudeza do chão
retirando o corpo das trevas.

O archote, chave guardada
límpido farol sem capitulação
triunfando na maré plúmbea.

27.4.15

A garrafa náufraga

Nas areias perfumadas a maresia
deposto um testemunho lacrado
pelo mar abundante.
Trazia vidro fumado
corroído por sabe-se lá quantas ondas
e quantas marés vigorosas.
As aves marinhas dele se afastaram
as de praia grasnavam
como se em pânico estivessem.
Uns pescadores benziam-se
e furtavam os olhos do areal.
Os pais de umas crianças
advertidas que ali podia jazer ardil de um demónio
e as crianças logo compulsivamente afastadas.
Por quatro dias e quatro luares
a garrafa náufraga esteve ao relento.
A areia deposta pela maré alta
já cobria uma parte da garrafa órfã.
Em passeio vespertino
um forasteiro tropeçou na garrafa.
Notou no pergaminho interior.
Como não havia pescadores nas imediações
usou da força das grossas mãos
e desabotoou a garrafa enigma.
O pergaminho transfigurou-se em mítica figura.
Não lhe perguntou por desejos.
Perguntou-lhe pela curiosidade interior.
E se não sabia
que a curiosidade às vezes é mórbida.
O forasteiro
como não percebia a língua
do génio vindo da garrafa,
e em estando ébrio,
pegou no atilho do sapato da figura mítica
e amarrotou o pergaminho.
Fez dele lixo do vário em cima do areal.

22.4.15

Receituário

Não é à teia da aranha
que devemos temor:
é a quem a saliva.

16.4.15

Fiel depositário

A justa medida.
Desconta:
o olhar poltrão
o esbracejar que berra
a estrela da televisão ávida de reconhecimento
os pregadores que vomitam moralidade
(tacanha, como são as moralidades)
os bácoros que linguajam brutalidade
os tubarões que tudo açambarcam na sua inveja diletante
as vetustas velhinhas
(que rivalizam com os pregadores)
os magalas que encenam a próxima bebedeira
os executivos apessoados
que ouvidos deviam deitar aos pregadores
(se não soasse a antinomia)
os intermináveis candidatos a cassiopeias
as sumidades que transpiram intelectual estalão
e destilam pesporrente e elitista erudição
os mestres de cerimónias e os mestres de obras
que não mestram coisa que valha
nem obra que tenha valimento
as pitonisas em tirocínio
e os vitorinos eternamente prometidos
os boçais que saem da churrasqueira de palito na boca
os narcísicos com espelhos pinóquios
os polícias que protegem as leis e os polícias dos costumes
e as proibições a eito
mais a ordeira obediência como sinal de pertença.
Ensaia os teus deslimites
a ópera da transgressão
se julgares que esse é o tributo cobiçado
ao existir descomprometido.
O resto,
o resto desimporta.
Nem que tenhamos de desinventar.
E de desnascer:
para o nascimento outra vez.


9.4.15

Alto o Douro

A mão do homem tira talhadas da montanha
esculpe-a
como se gigante fosse a sua mão
e exígua a montanha.
Homérica, a empreitada
retalhar terra semeada de pedras
ceifar uma terra alcantilada
emprestando a mão do homem
feição propícia à paisagem.
Seu lídimo arquiteto
o homem
(sucessivas levas dele)
cinzelou arte singular
e domou paisagem que se arrematava irrefreável.
Os montes tingiram-se
com uma tela de pura beleza
mercê do suor e do sangue dos arquitetos.
O vinho derramado das encostas
embebe o adocicado do suor e do sangue
matérias-primas da paisagem penhor dos encantos.

7.4.15

Estética assanhada

Um
(pode-se dizer?)
parolo desce à grande cidade.
Ofende a estética dos
(autoproclamados)
janotas.
Os janotas passeiam estultícia
mas não sabem.
Em sendo janotas
fingem que apedeutas não são.
Caçoam dos parolos que:
vestem andrajos
(mesmo sendo refulgentes paramentos)
metem decibéis na converseta com os iguais
amesendam com alarvidade ultrajando os costumes
e demoram em regressar às terrinhas.
Os janotas podiam não sair de casa
em jornada de costumeira visitação dos parolos.
Evitavam males maiores à sua elevada estética:
das catacumbas da “sabedoria popular”
(uma contradição de termos)
cunha-se um dizer sintomático
que manda ensinar aos incomodados
que o seu incómodo disputa mudança de lugar.
Os assanhados tutores de uma estética urbana,
fiéis depositários das normas visuais que não ultrajam,
podiam mostrar credenciais;
só para certificar autoridade tanta em que montam
no papel de juízes de uma estética abonada.
Incultos e frívolos
descontam para o ladário da boçalidade.
E nem dão conta
tão entretidos em fazer de conta que fazem de conta,
que um deles é agressão maior que mil falantes parolos.

31.3.15

Lente desfocada

Tirava as medidas à ambição.
Quatro lustros depois,
desembainhado de esperanças,
tirava as medidas da ambição.
O sabre frio,
estulto zelador de uma (diz-se) justiça divina,
repôs as coisas em seu estado natural.
A ambição era uma desmedida.
À medida dos sonhos
que cortam a eito na longa reta
da estrada que leva a lado nenhum.

30.3.15

A vertigem do tudo

Tenho a dizer
que o amor perfuma o tempo imorredoiro
banha os olhos com a nitidez das manhãs claras
incensa o corpo num remoinho de águas amornadas.
Tenho a dizer
que tudo o que seja infortúnio
vem no contraditório de um abismo que o consome;
que tudo o que seja infâmia
se ensarilha no redil de que é refém;
e que os arpejos notórios
são os que deitamos nos ouvidos
em forma de sussurro
ou nos gritos que troam pela casa fora
pelo mundo que tecemos nas pontas dos dedos.
Tenho a dizer
as palavras que são melodias que sopesam o vagar
as palavras que sejam, talvez, rotineiras
e da sua lhaneza se extrai o incenso que coalha
as impurezas todas.
Quero que as janelas do tempo tomem conta das paredes.
Quero que o tempo trepe pelas porosidades das paredes
e se faça moldura do quarto perene.
Quero o desleixo que queira vir
a barba rala e descortês arborizando-se no meu rosto
as roupas gastas em cima do corpo
os livros amarelecidos e, porém, casta divina
as músicas segredadas no palco da cumplicidade
e as mãos que se dão e se emprestam calor.
Não sei se o tempo se demora.
Não sei quantas luas há para vir.
Não sei
que palavras rimam com o meu rosto povoado pela fortuna.
O que já perdi é a constelação do que tenho agora.
Não sei o que mais não hei de saber
no saber que se abraça ao dormitório das interrogações.
Talvez saiba, contudo,
contar as lágrimas que se derramam sobre o meu rosto
contar as lágrimas tuas todas que seco
contar as histórias que vierem no dorso do acaso
e vociferar todos os males
encomendá-los em correio expresso
para o lugar onde o sol não seja alvorada.
Hoje sei: tenho tudo.
Tenho tudo, a começar no amor.
E a acabar no amor.
E tenho a dizer:
que tudo o resto me seja expropriado
que mantenho as rédeas da vertigem do tudo
as faces rosadas pela espada que nos consagrou
reis de um reinado exíguo
que se espalha na grandeza de nós.
É uma vertigem, das boas.
Um sal que não queima deitado sobre as feridas.
Um remédio que atalhou as cicatrizes.
Somos a pele pura
o pano dourado onde os pássaros se querem deitar
e nós,
reis do reinado exíguo maior que tudo o resto,
curadores do saber que conta.

24.3.15

Leap of faith

Pegar no oráculo que estiver à mão
esperar pela penumbra reveladora.
Os cães danados latem a fúria toda
e nem damos conta como erram nas ruas em redor.
Tomemos o exemplo das andorinhas primaveris
voemos com a leveza que extingue inquietações.
Sejamos como os grossos troncos de árvores
que se enraízam na firmeza das fundas raízes
e não tergiversam nem com tempestades furibundas.
Sejamos tesouras que cerceiam os males andarilhos
a pele onde pousa a bondade
o terreno onde fertilizam as coisas que importam
o baú onde medra a saudade do tempo presente
os cometimentos não estéreis abraçados ao sol radioso.
Aos desatinos vulgares e às coisas mundanas
sejamos contrapartes indiferentes
esteios de uma forma totalmente diferente de ser
até que o ocaso seja apenas uma oportunidade para outra
e melhor
alvorada.

23.3.15

Mar de prata

Um espelho do sol.
O mar, seu regaço
à medida que as suaves ondas
retratam o sol que nelas se depõe.
E o mar tinge-se de outra cor.
Uma osmose que sossega o olhar
nem interrompido pelos bandos de gaivotas
em sonoro grasnar.
A sombra do sol 
devolve-se ao mar tardio
e empresta-lhe pergaminhos
de um mar de prata.

19.3.15

Evangelho segundo o nome terceiro do diabo

Três colheres de fel
duas esponjas cheias de tabasco
uma esperança mal medida
(só para aplacar a ira).
Um cão raivoso a morder na perna
a perna mesmo ao lado do pântano
no pântano cheio de sanguessugas
como velhas carpideiras na portaria dos prédios.
Um bolo salgado
a acompanhar sumo de menta
a língua corroída pela acidez
da mesma acidez que perfuma os imbecis.
Juntem-se, agora,
seis colheres de fel
três olhos de boi
barbas de milho salgadas
presunto de búfalo
dados viciados
uns drogados em impudicícia
e umas algemas que escondem as proezas.
Mande-se o resto à sorte da fornicação
(caso se tenha a fornicação por coisa abjeta).
De outro modo
encomendem-se as almas transvestidas
ao vómito de si mesmas.
E haja deuses controversos,
deuses que ninguém siga,
para abençoar este altar ungido
por um unto que escorre das bocas pestilentas.
A aridez do forno caldeia pesares.
Haja serventia para os bestuntos de fatiota janota
sem outra que seja o passeio da sua agnosia.
Empreste-se-lhes palco.
Precisam da ostentação do brio mendaz.

17.3.15

Grito de protesto

Esbracejam os pesares pelas vozes impuras,
as santidades que bolçam arbitrariedades.
Contra elas não podem os silêncios.
A elas
mandam-se mastins esfaimados
uma jugular incendiada
teias de aranha que arrematam o veneno todo
incinerando olhares malsãos.
Apodera-se uma ira fecunda
(quando a ira nem é geneticamente fecunda).
Os nenúfares mirrados vegetam na água pútrida
cegando o ar com a pestilência dos exilados.
Doravante
os nãos são ditos quando tiverem préstimo
o rosto embacia-se numa severidade medonha
os dedos das mãos são pazadas de força
o mel azeda
os ossos salgam-se de sais raros
o coalho dos dias serve-se como iguaria
e as cartas adulteram-se.
O jogo passa a ser o que dantes era rejeitado.
À medida dos outros medra desconfiança
sentinela dos ardis reinventados.
Faz-se de hiena, se preciso for
saltando florestas com velocidade vertiginosa.
Faz-se de leão, se preciso for
e devoram-se os sobressaltos que vierem de frente.
Há um copo de leite estragado à espera.
Peixe datado servido em forma de vistoso sushi.
Palavras corteses que são alfaiates da inverosimilhança.
Comboios vetustos, armários dos tempos que foram.
Uma constelação que não resplandece
e não há eclipse que a embote.
Deixa-se vir ao de cima
um grito de protesto que decanta a ira.
A ira, que é banquete escusado
mas imperativo quando as armas terçadas
são aleivosia farta.
O descaminho continua a ser altar alheio
dos que se montam em bonecos faz de conta
em montados estéreis
onde o que se aprende é o nada.
Por cima dos algozes da impureza
congraçam-se e falas não pueris.
Num braço de ferro, se preciso for
só para ver quem mais alto grita.
Em estrofes de protesto
que desatam o desassombro aferrolhado.

Depois
sobra a retoma do tempo dos olhos vivazes
as almas merecedoras
o vinho desembargado
a ira aplacada
os castelos desenhados pelos dedos
os palcos onde se ensaia a vontade soberana
as palavras encantatórias
– e já não as de protesto.