4.4.19

Sob a curadoria da sombra

Quero viver na sombra. 
A coberto do ozono da visibilidade
para na rua andar
sem meu rosto ser vandalizado
no penhor do olhar desconhecido. 
Ser se não mais um rosto anónimo
no meio da indiferença 
que é o apelido do anonimato. 
Não quero nome visível.
Não quero ter janelas sem vidros
para os olhares voyeursse atirarem para dentro
e se fazerem convidados 
num festim que não é seu.
Abdico de homenagens
(se elas me forem creditadas)
sinecuras
privilégios
reconhecimentos
deferências
agradecimentos
ou paráfrases
(já para não falar de citações).
Dispenso as comendas
se houvesse caso de as haver. 
Publicamente sentencio,
para memória futura,
que não aceito que uma rua
hipoteque o meu nome,
pois se há angústia que me consome
é a de saber meu nome imortalizado
e ainda por cima
aprisionado numa sempre exígua rua. 
Protesto se me quiserem
servidor de causas públicas 
– ou de quaisquer causas, 
já que vem a talhe de foice.
Quero viver na sombra. 
Quero viver à sombra.

Sem comentários: