Hoje
era dia de vestimenta solene
mas já não sabia
da causa da celebração.
Há por aí uns papalvos
que se deixam ludibriar
e são carne para canhão de efusividades destas
(a que os doutrinadores mandam chamar
identidade,
ou pertença
– o que, no derradeiro caso,
é tão sintomático como cunhar a expressão
“sujeito passivo” para a simbiose
entre quem deve impostos
e quem deles é credor).
Uns cobradores de fraque
a reboque de antropológicos desejos
exsudam os alinhavos da “pertença”,
irrecusável linhagem
a quem se ofereça no altar da identidade
assim devolvida aos anais da pertença
– a equimose que cobre a pele
bulimia não reconhecida
em que se dissolve a autêntica liberdade.
Uma espécie de morcela
onde foi fumigado o “sentir pátrio”,
ou coisa que o valha,
e à bandeira seja devida honrosa continência
a apalavrada jura do esvaziamento da pessoa,
como é da conveniência dos bastardos
que são os diletos propagandistas
da “pertença”.
Termos em que
uma teoria subiu à boca
no suco gástrico de semelhante acédia:
os valentes gurus da portugalização
os pressurosos meirinhos da pertença
são casos de imperativo divã psiquiátrico:
levaram quinquénios inteiros
subsumidos na pertença
e de tanto serem escafandros da pertença
já se confundem a si mesmos
como esfinges que sintetizam a pertença,
arremedos de sebastiânicas personagens
(sem o malogro em que se deitou
o eterno prometido).
Termos em que
lavro publicamente um orgulho:
andei em turísticas funções
pela capital do império
e muitas foram as vezes que me interpelaram
em estrangeiro idioma,
o que me fez assentar a argamassa
da inidentidade.
E se à identidade estou em falta
ausentam-se as credenciais da pertença,
no enfim lago idílico
onde se expõe toda a pessoa sem grilhetas.
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