26.6.19

Hoje ao longe

Esqueci-me de que é feito
o amanhã
e este lugar parece estranho
sem alguma vez dele me ter apartado
como se fosse a morada permanente
sem histórias para contar.
Não amuralhei as mãos
não as empenhei às forças gravitacionais.
Deixei que o corpo
falasse por mim
nas coreografias não dançadas
no restolho sério das visíveis luas de outrora.
Os lugares pareciam todos iguais.
Uma cortina transparente
e, todavia, infértil 
na empreitada de aclarar 
o significado dos lugares.
Talvez as mãos pudessem ser tecelãs
inventariar os fungos aceitáveis
as sementeiras promissoras
aos hotéis sem medíocre ornamentação
onde apenas contasse gente comum
gente desprovida de vaidade
sem saber do óculo flamejante que amplifica
suas imagens,
o logro ideal.
Atravesso o quarto
e sinto como se do outro lado
estivessem os antípodas do mar
e eu
militantemente cético
esbracejando como se ainda estivesse imerso.
Ah!
Se ao menos não estivesse nas mãos dos sonhos
podia apalavrar o que viesse ao púlpito da fala
e sabia que não há algemas 
a subtrair o equinócio da vontade.
Atravesso o quarto
de regresso ao ponto de partida
e não sinto o sal que tinge o mar
nem o corpo humedecido por suas águas.
A maresia não passa de um distante desejo,
a impossibilidade na ausência de faro.
Não é a noite medonhamente escura
que se atravessa no firmamento;
é o sonho não convidado
as grutas sem fim
a tempestade suicida
os olhos que capitulam ao pesar
as sombras arqueadas sobre o rosto melancólico
a aurora fracassada
o cais seco, lúgubre, abandonado
a impecável fartura que assombra a memória
os pés desalinhados na fronteira venal.
Os lugares voltavam de repente ao seu lugar.
A matéria fundente
chovia sobre lagos aclamados
e os motores ruidosos, indiferenciados,
emprestavam-se à tela que fugia do olhar.
Não temo as consequências do mundo.
Estou à sua altura
no âmago desta fragilidade sem adjetivos
penhor de mim mesmo
na contagem avulsa das páginas sem esquadria.
Fico à espera.
O relógio conta o tempo por mim.

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