31.3.23

#2729

Espreitei

por cima do dia

e as mãos falaram

o poema destinado.

30.3.23

Injustiças indocumentadas (80)

Penso rápido

no penso rápido

que o rápido dispenso

no rápido dá que pensar.

Providência silenciosa

Um bocado de carvão 

atirado à patibular infância:

dizemos sempre

que ficou tanto por dizer

e ninguém se acusa 

na cacofonia insurgente,

o chilrear doentio de falas sobrepostas.

 

Um bocado

talvez

de silêncio:

 

a bonomia que se congraça

nas entrelinhas da ausência:

ao silêncio,

a sua suserania

que de palavras banais 

estamos cheios.

#2728

Perguntaram

o que queria ser

quando tivesse idade 

para uma profissão:

alimentador de sonhos,

respondeu.

29.3.23

Dieta

Seguimos pelas avenidas vãs

aquelas onde a poeira sente-se nas veias

e as palavras desassossegam os anjos.

 

Vamos às avenidas malsãs

aquelas onde a poesia é insulto

e a fala se polui com deuses.

 

Saímos das avenidas repletas

aquelas em que somos corpos estranhos

e ao exílio pedimos franquia.

#2727

Recusem a desambição

de meter açaimes nas palavras

para não serem vítimas

do silêncio.

28.3.23

Atlas

Se os corpos fossem mapas

seríamos atlas sedentos

danças sem paradeiro 

um luar à espera de vez. 

 

[Sigur Rós, “Fjögur Piano]

Por inteiro

A pedra que repousa no miradouro

dita a sentença boreal

a armadura desfeita

que revela a nudez,

simplicidade sem cilada

o mosto inteiro 

que fala na vez da voz gongórica

o rosto incindível

que não tergiversa diante dos lobos

matéria fundida de ouro e lágrimas

os versos como âncora certificada

no improvável vinho servido em xisto.

Os socalcos descem às mãos

e das estrofes empunhadas sobra o mel

o dorso desimpedido

contra os embaraços de mastins por aí,

avulsos e estultos.

Não capitularemos

– diz-se em coro

desembainhando a alvura 

que caia a pele, os ossos, o corpo inteiro,

a garantia perene das coisas

na sua verosimilhança insuspeita.

Somos os esteios que não precisam de esteios

e ao espelho não contamos gramas de pudor

nem perfilhamos sermões não encomendados.

#2726

O fio

e o pavio

em leilão.

 

[Manual de instruções para terroristas de trazer por casa]

27.3.23

O indulto

O indulto 

abate-se sobre o dia finito

a jeito da indigência,

o princípio geral de tudo

a confusão entre arbustos baldios

e folhagem extravagante da selva. 

 

Dizia-se:

é por estas desconclusões

que se arremata a desconfiança:

uns olham para os outros

de pé atrás

 

            (caso, único, 

            que os que partem atrás

            estão em vantagem)

 

para serem retribuídos 

com a mesma indiferença. 

 

Ao menos,

não há assimetrias

no escrutínio de um mínimo denominador comum. 

 

O indulto

diz mais de quem perdoa

do que do perdão

 

(o perdoado é o que menos interessava).

 

Esta é a terra de ninguém

em que o indultado desconfia da piedade

e o indultor pratica generosidade 

de que é usufrutuário. 

Os bons espíritos

de tanta bondade que a si convocam

nunca se descomprometeram dos padrões válidos:

a bondade é um reflexivo ato,

no inconfessável pressentimento

das indulgências provadas 

por mercê da bondade.

Injustiças indocumentadas (79)

Dava o corpo ao manifesto

sem ser importar se o manifesto 

estava interessado

no corpo dado.

#2725

Não se faça de um lamento

o hino e a bandeira

amarelecidos em prantos.

26.3.23

Museologia

Corpos 

como mares,

imensos,

e imensas são as marés

que derruem a sua sede.

Ficam à mercê das mãos

que os esculpem

sem remorsos

enquanto a tabuada do tempo

se pressente

imóvel

como se a dança fosse uma gramática

e a coreografia

a sua tradução.

#2724

Atravesso 

um mar de campos baldios:

a metáfora da despertença;

a homenagem 

à vontade sem freio.

25.3.23

Injustiças indocumentadas (78)

Quem havia.

Quem a avia.

#2723

As mãos herdaram a geada

e atiraram-se, repentinas,

ao ouro caiado da pele.

24.3.23

Dramaturgia

Se os pesares

pesarem no vento cortante

e formos o chão em que se deitam

não se espere 

uma centelha do dia consecutivo

a diligência sobre nós como dádiva 

que nada é perene

e os danos de que somos culpados

interrompem o mel que cicia de longe.

#2722

As sombras

abatiam-se sobre o entardecer

num pressentimento telúrico. 

23.3.23

Armistício

Um canto do corpo

a pele arrancada ao sono

pauta que se adia no luar fundente

e um sinal

o travo doce de uma boca

à espera de um lugar

do vulcão que não se demora.

Sideral

Em luz

insinuada

entre sombras

o exorcismo

o futuro devolvido

 

ao lugar distante.

 

A matéria

diadema embaciado

dia constante nas veias

ocaso

juro sem regra

 

a jura contumaz.

 

O rio 

dobrado sobre si

sol hirsuto do estio

o açúcar nas uvas

o vinho promitente

à sombra do descanso

as mãos vincadas

suadas

 

à espera do tempo.

 

O xisto

ao acaso atapetando o chão

orvalho nascente

e o rio

profundamente longe

contagiando

o perfume das uvas

o som do sangue

o troar do anoitecer

vago

 

o murmurar vago

e sobrante.

 

A luz

abraçada ao dia

dando ramos às árvores

tirando frutos às bocas

as bocas que se saciam

umas às outras

arrancam às raízes fundas

o mosto primacial

 

o magma centrípeto.

#2721

Fugia da matilha

como quem renasce

de um prejuízo venal.

22.3.23

Matéria combustível

A matéria combustível

agarra-se à pele. 

Ontem era tatuagem. 

Hoje 

que se fala apenas de babugem

os arroios vão cheios de água

que houve chuva fora do tempo

talvez um rio de lágrimas,

a descondição dos melancólicos. 

 

Alguém diz:

é preciso partir pedra,

naquela irritante mania

de usar expressões idiomáticas. 

 

(Como se partir pedra

desse para jurar um caminho

ou assegurar um destino

e uma pedreira fosse o embaraço inicial

e todos os que não capitulam

tivessem de vestir o fato de macaco 

– outra expressão idiomática 

sem paradeiro – 

e, na posse de uma humilde picareta,

pacientemente desatasse 

a partir a pedra-obstáculo.)

 

Alguém diz

a maré não está a preceito

e a matéria combustível oferece-se

ao arrefecimento,

a preguiça como aval

que a persistência não é uma arte que se domina. 

 

Os olhos embotados desistem do dia. 

Ficam as rugas em salmoura

à espera de serem convertidas 

na pele que se dá ao tempo restante. 

 

Por dentro

escondido

o vulcão resiste à hibernação. 

As convulsões interiores são como revoluções

espasmos atirando as partes contraditórias

umas contra as outras

como se por dentro do houvesse labirintos

por onde se esgueira a lava

que teimosamente resiste à anestesia forçada. 

 

Por dentro

a resistência dos elementos

ateia a força bruta das páginas arrancadas

ao torpor. 

Contra a letargia do futuro

contra as expressões idiomáticas

e os espasmos dos lugares-comuns

a favor dos versos que se sublevam

contra a tirania do que 

 

(dizem ser)

 

irremediável. 

 

Até prova em contrário,

avivada na carne-viva que deixou de ser,

não estou convencido que a finitude

é o verbo forte. 

#2720

Uma epifania 

é coisa

que a ateia não ateia.

#2719

As bandeiras puídas

arrastam-se

na ferrugem do tempo.

21.3.23

Retrovisor

Dizem 

que uma bruma tardia

se apoderou do olhar

e ele, embaciado,

passou a amansar a fala

tartamudeada. 

 

Dizem

que uma maré fugidia

dissolveu o mal-estar

e ele, embuçado,

perdeu a linhagem de bala

torpedeada. 

 

Dizem

que uma cara gentia

se contaminou ao destinar

e ele, desembaraçado,

extinguiu a mala

desarrumada. 

#2718

Um labirinto de metáforas

incendeia o sangue

aviva o vulcão

adormecido.

20.3.23

As muitas voltas ao mundo (contentores)

O cais é a morada de contentores. 

Parecem casas empilhadas 

sem critério

como o mesmo acaso

com que cruzam os mares todos

de porto em porto 

conhecendo os climas todos

os idiomas de que o mundo é feito

levando mercadorias 

fazendo as pontes marítimas 

entre remotos lugares. 

No cais,

uma cidade de contentores. 

Quantas voltas as mundo estão às costas

de todos os contentores amontoados? 

#2717

Podia-se fazer um poema

com nódoa

nafta 

e nefelibata.

19.3.23

#2716

Deve-se evitar

os santos e as santas,

a crer no mal que fazem

os doces conventuais.

18.3.23

#2715

Ao menos no xadrez

há quem coma bispos.

 

[Justiça restaurativa]

Sem destinatário

Este é o inferno sem demónio:

as casas empenham-se atrás dos limoeiros

na dedicatória ao fermento que trava a morte

o fecundo bolor em pétalas de sol inaugural. 

As ferramentas desarrumadas

intuem as desregras que não se escondem:

os vilões podem ascender ao promontório

podem colonizar os idiomas

pretender que os demais sejam escravos 

do silêncio

mas não passam de mastins desdentados

meras hipóteses de inferno

escaras que só sabem ser pútridas

como pútridos são os seus lamentos

ciciados na babugem soez 

– o seu passaporte,

que nunca prescreve. 

Esse é o inferno

onde os outros são mesmo os outros

empilhando todos os escaravelhos mentais

decifrando as luas que regurgitam 

das entranhas

enquanto passeiam inesteticamente nus

sentados nas coroas de espinhas

de deuses que caducaram às mãos vingativas. 

Os vestígios de sangue escrevem a pauta

e não há fronteira que se desembarace 

das facas,

o ultraje desfilando 

com a pompa dos órfãos de lágrimas

através das claraboias que ensinam as palavras

as temidas, as dissolvidas, as polissémicas,

as palavras-desfiladeiro. 

Se as falas apodrecidas fossem gémeas 

da mentira

não havia páginas para contar

não havia sucessores habilitados

e os lugares seriam ermos

como ermas são as luas 

se em viagem as visitarmos. 

O vento aluga-se aos interessados

mas não aceita rendas em saldo:

de cada vez que formos heróis,

nem que seja por conta própria,

saberemos 

que as páginas não se viram do avesso

a menos que a fome seja intencional. 

Ninguém trava a imensa roda da vida,

ninguém a consegue travar. 

A matéria infecunda que é a tela do deserto

deve ser a mátria do inferno,

o lugar onde a pele se descola da alma 

e fica ao deus-dará

órfã

destruindo os trunfos orquestrados

vingando os pulsos amordaçados

coabitando com as corpos tão puídos

na fábrica que não tem morada

a fábrica que não precisa de operários. 

A boca treme

tropeçando nas sílabas cortadas pela metade;

não há cicerones

neste lugar sem morada

não há dicionários nas estantes

apenas a poeira vetusta que tatua a pele

e anestesia os diligentes estetas,

sem esperar por instruções

abocanhando o podre do dia que decai. 

17.3.23

Injustiças indocumentadas (77)

O Natal 

é quando um homem quiser:

e as mulheres 

não têm nada a dizer?

 

[Parte do manifesto contra a masculinidade tóxica]

#2714

Arrumas os despojos:

gaguejas o resto,

as esporas sem rosto.

#2713

O verso encurralado

as sílabas caladas

os braços caídos.

16.3.23

Silêncio em praça fraca

As palavras que doem:

poços fundos de águas mortiças

as sílabas arrastadas no letargo ancião

na afortunada gramática que não sabe

das regras.

As palavras que doem

podem ser

um silêncio.

#2712

No bazar dos olhares

mercam-se

cumplicidades e indiferenças.

15.3.23

Anatomia dos segredos

Os segredos 

estão escondidos

numa mina. 

 

Os segredos

são uma mina. 

 

Os segredos

não precisam

de desminagem. 

 

Ao pisar um segredo

ganha-se um módico

de outra vida. 

 

Um segredo pisado

é todo um mar de acasos

que se abraça à vida. 

 

Um segredo alheio

tanto é uma mina 

que se entesoura

como uma mina 

que mutila. 

 

Antes não saber

o mapa dos segredos

e deixá-los ser,

segredos.

Injustiças indocumentadas (76)

Por mais que se esforçasse

o busca-pólos só encontrava 

o Norte e o Sul.

#2711

Dei de mim às mãos

para esculpir 

a mais fina lua.

14.3.23

Pulsação acelerada

Se naquele dia

não tivéssemos tido medo

quem sabe se não seríamos 

heróis

heróis de nós mesmos

e se do medo fugíssemos

como se de um exílio heurístico se tratasse

nos tornássemos maiores do que somos. 

Mas naquele dia

o tédio disfarçou-se de medo

e o dia ficou pela meação

como se dele tivéssemos sido algozes

e o amputássemos de ossos e carne.

Anda hoje tenho a impressão

que cercámos o dia

para que ele não se tornasse

maior do que somos

e consagrámo-lo

dele bebemos o sangue. 

Não queríamos 

que ao dia fosse permitida 

tamanha ousadia;

quanto à nós

não queríamos ser maiores

por imensa ser 

a nossa grandeza. 

#2710

O corpo baldio

refém 

da sua insubmissão.

13.3.23

Bom olhado

Podem ser janelas 

puídas com o ciciar dos estorninhos

filmes a preto e branco

enxertando pétalas crepusculares

manhãs ditas 

no avesso de versos angulares

um êxtase que se consome

nas ilusões em saldo. 

 

Podem ser os braços que não capitulam

as estátuas que dormem em pé

os estereótipos deixados sem herança

as portas fechadas que saciam a indigência

os dias claros arrumados num canto da esperança

os estilos disfarçados que se ajeitam à lapela

o sono sem adiamento no palco contrafeito. 

 

E tudo se amedronta

no leito onde se suavizam as marés

enquanto os violinos despontam na alvorada.  

#2709

Colorido o estendal,

à mostra,

a metáfora da vulnerabilidade.

12.3.23

#2708

É o irrepetível sangue

que desmente

a hereditariedade.

11.3.23

Cosmos

O corsário

respira a pele outonal. 

Exilado

esqueceu o idioma-mãe

e de si. 

Joga 

batalha naval

contra a inteligência artificial. 

Quando perde

embriaga-se;

nunca conseguiu esquecer

como a injustiça era pródiga consigo. 

Injustiças indocumentadas (75)

Um desejo ávido

não é um desejo havido.

 

[Inspirado num erro ortográfico, pescado algures]

#2707

Arrastas

no ruir da miragem

o teu corpo derruído.

10.3.23

Injustiças indocumentadas (75)

As águas de bacalhau

nunca foram de confiança.

#2706

Na colher do tempo

o açafrão que adoça a pele.

Injustiças indocumentadas (74)

Nada é impossível

Nada

é impossível.

9.3.23

Teclado

Arregaço as vírgulas

antes que o mel cristalize

e as sílabas fiquem presas na língua.

O vinho arroteia a verve;

aos vermes que nidificam em barda

dizemos a indiferença axial

(pode ser que deixem de ser fantasmas).

Oxalá as penitências não doessem

como doem as indulgências tiradas a ferro.

O amanhã viria

nesse caso

tingido pelas palavras amansadas

e todos os grotescos lugares seriam banidos

como banidos seriam 

os bandidos resistentes.

#2705

Este é o estaleiro ingente,

as obras vincadas no rosto

a pele avessada no viés do tempo.

8.3.23

Dispensa

Passo o corpo amordaçado

a mortalha que desce sobre o silêncio 

sem armas. 

 

Ao fundo

a gruta evoca o medo. 

O medo de quem não tem medo. 

 

As cortinas embainhadas fogem do dia

escutam a voz gutural dos ontens desarmados. 

 

Às voltas com as páginas amarrotadas

junto os dedos 

como se fossem espadas enredadas

e dou ao dia o poema sem nome

avivando as centelhas 

que derrotam as sombras.

#2704

Junta-se a assembleia

que a gangrena 

cai sobre o horizonte

roubando os nomes 

aos fantasmas.

Misalignment

Not the knot:

knot the not

wait

for knock-out.

Un-note the knot,

unknot the note

knock-out

the wait.

7.3.23

Autodefesa

Do caminho raso

as métricas possíveis

afogadas num aguaceiro

desviam as trovoadas triviais;

as copas das árvores parecem sorvetes

mas não se armam os alçapões

sem os arneses por perto.

 

De caminho

o avesso amoeda-se na pele

sua tatuagem impura que se subleva

na parte de trás da catedral

enquanto os rapazotes sobem aos pedestais

em marés de estultícia.

 

Caminho

nas oitenta e oito teclas do piano

desenho as notas no sopé do vulcão

e deixo o peito recolher os frutos ateados

sem sair do caudal de onde sorvo as lágrimas

sem pesar na carne as legendas cegas

e à porta sentar os medos pueris.

 

A caminho da alvorada

levanto a âncora que arrastou o corpo

sitiado por tribunais estéreis

amarrado ao represado manto de água

como se ele próprio, o corpo,

anuísse nas comportas que largam o degelo

mudando a consoante muda

consoante o que muda no jusante.

#2703

A boca faminta

sanguínea

não traz vítimas à lapela.

6.3.23

Falávamos de marés e de outros sortilégios

Dizias

com as palavras ditas em dourado,

as sílabas armadas com destreza,

que eras capaz de secar a maré 

– e eu queria 

que todas as marés fossem 

apenas 

praia-mar

para não molhares mais

do que os dedos dos pés.

#2702

Se as mãos fossem um mapa

quanto património genético

seriam as suas rugas?

5.3.23

Sísifo em trabalhos

Sísifo

não sabia

onde se ia meter. 

Pior seria

se a rocha corresse

montanha abaixo

atrás de Sísifo. 

Dele se diga

com a devida propriedade

que merece a linhagem de astuto. 

#2701

O dedo na ferida

antes que se faça

cicatriz.

4.3.23

#2700

Não se ajeite

alcunha

que a caravela 

é lesa-majestade.

3.3.23

Cinemático

Se não houvesse luar

as páginas

reféns da penumbra

seriam um luto sem fim.

 

Se não houvesse sombras

e a noite 

fosse um espelho sem fundo

o luar seria mecenas do dia.

Injustiças indocumentadas (73)

A mão de semear

e o pé de colher.

#2699

Não se invente a roda

que os nomes dos inventores

já ganharam o seu panteão.

2.3.23

Verde-esmeralda

Às palavras esquecidas no futuro.

À boca que ateia a combustão das almas.

Ao Inverno que transporta a candeia 

que trespassa o olhar.

Ao suor das mãos que falam, 

caindo das árvores que ciciam na penumbra.

Ao ocaso, que é uma jura de futuro.

Injustiças indocumentadas (72)

Eu penso.

Eu,

penso.

#2698

Espreito

pela escotilha

os versos da madrugada. 

1.3.23

Injustiças indocumentadas (71)

Salvo o conduto

faltava 

declarar o ázimo. 

O panteão dos órfãos

Houvesse um trunfo na manga;

mas estava calor

e não tinha mangas apostadas

e do meio de tudo

encenei o palco ruidoso

onde o silêncio subia à cena. 

 

Houvesse um teatro por perto;

mas era um ermo

o lugar em que coabitava com o luar

e a meio da solidão

agarrei as estrelas que passavam na noite

se a noite não fosse

o lugar onde o medo se prefacia. 

 

Houvesse um astrolábio;

mas medieval não era o tempo atolado

e a meio de um nada

arranquei uma confissão à divindade de atalaia

e dela soube que de oráculos sabe nada

de si se desmentindo 

na qualidade em que se apresentava. 

 

Houvesse um remédio à distância de uma mão;

mas a cidade era a toponímia das ausências

e por demissão dos espíritos

ficavam as maleitas à mercê da sua sorte. 

 

Houvesse um navio sem escolta,

seus sem domador os mares atravessados;

mas as marés não estavam de modas

e no meio de mim

arranquei à força 

a ilha que se instalara. 

Injustiças indocumentadas (70)

A mão de semear

é aquela que não é

a esquerda.

#2697

Escondida na noite

uma luz boreal espreita

entre as rugas da alma.