Este é o inferno sem demónio:
as casas empenham-se atrás dos limoeiros
na dedicatória ao fermento que trava a morte
o fecundo bolor em pétalas de sol inaugural.
As ferramentas desarrumadas
intuem as desregras que não se escondem:
os vilões podem ascender ao promontório
podem colonizar os idiomas
pretender que os demais sejam escravos
do silêncio
mas não passam de mastins desdentados
meras hipóteses de inferno
escaras que só sabem ser pútridas
como pútridos são os seus lamentos
ciciados na babugem soez
– o seu passaporte,
que nunca prescreve.
Esse é o inferno
onde os outros são mesmo os outros
empilhando todos os escaravelhos mentais
decifrando as luas que regurgitam
das entranhas
enquanto passeiam inesteticamente nus
sentados nas coroas de espinhas
de deuses que caducaram às mãos vingativas.
Os vestígios de sangue escrevem a pauta
e não há fronteira que se desembarace
das facas,
o ultraje desfilando
com a pompa dos órfãos de lágrimas
através das claraboias que ensinam as palavras
as temidas, as dissolvidas, as polissémicas,
as palavras-desfiladeiro.
Se as falas apodrecidas fossem gémeas
da mentira
não havia páginas para contar
não havia sucessores habilitados
e os lugares seriam ermos
como ermas são as luas
se em viagem as visitarmos.
O vento aluga-se aos interessados
mas não aceita rendas em saldo:
de cada vez que formos heróis,
nem que seja por conta própria,
saberemos
que as páginas não se viram do avesso
a menos que a fome seja intencional.
Ninguém trava a imensa roda da vida,
ninguém a consegue travar.
A matéria infecunda que é a tela do deserto
deve ser a mátria do inferno,
o lugar onde a pele se descola da alma
e fica ao deus-dará
órfã
destruindo os trunfos orquestrados
vingando os pulsos amordaçados
coabitando com as corpos tão puídos
na fábrica que não tem morada
a fábrica que não precisa de operários.
A boca treme
tropeçando nas sílabas cortadas pela metade;
não há cicerones
neste lugar sem morada
não há dicionários nas estantes
apenas a poeira vetusta que tatua a pele
e anestesia os diligentes estetas,
sem esperar por instruções
abocanhando o podre do dia que decai.
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