22.3.23

Matéria combustível

A matéria combustível

agarra-se à pele. 

Ontem era tatuagem. 

Hoje 

que se fala apenas de babugem

os arroios vão cheios de água

que houve chuva fora do tempo

talvez um rio de lágrimas,

a descondição dos melancólicos. 

 

Alguém diz:

é preciso partir pedra,

naquela irritante mania

de usar expressões idiomáticas. 

 

(Como se partir pedra

desse para jurar um caminho

ou assegurar um destino

e uma pedreira fosse o embaraço inicial

e todos os que não capitulam

tivessem de vestir o fato de macaco 

– outra expressão idiomática 

sem paradeiro – 

e, na posse de uma humilde picareta,

pacientemente desatasse 

a partir a pedra-obstáculo.)

 

Alguém diz

a maré não está a preceito

e a matéria combustível oferece-se

ao arrefecimento,

a preguiça como aval

que a persistência não é uma arte que se domina. 

 

Os olhos embotados desistem do dia. 

Ficam as rugas em salmoura

à espera de serem convertidas 

na pele que se dá ao tempo restante. 

 

Por dentro

escondido

o vulcão resiste à hibernação. 

As convulsões interiores são como revoluções

espasmos atirando as partes contraditórias

umas contra as outras

como se por dentro do houvesse labirintos

por onde se esgueira a lava

que teimosamente resiste à anestesia forçada. 

 

Por dentro

a resistência dos elementos

ateia a força bruta das páginas arrancadas

ao torpor. 

Contra a letargia do futuro

contra as expressões idiomáticas

e os espasmos dos lugares-comuns

a favor dos versos que se sublevam

contra a tirania do que 

 

(dizem ser)

 

irremediável. 

 

Até prova em contrário,

avivada na carne-viva que deixou de ser,

não estou convencido que a finitude

é o verbo forte. 

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