O farol
beija o nevoeiro.
Demora-se.
Atreve as papilas gustativas
no sal rude do nevoeiro
temperado com a espessura do mar.
O navio
congemina a entrada no cais.
Avança.
A medo:
o mar está enfurecido
e a noite medonha incendeia o palco.
Parece inverno.
Está setembro no auge.
A tempestade
desagua em terra
com foros luciferinos.
Ninguém estava a contar.
A culpa terá de finar celibatária:
imprevisto,
o fenómeno,
não podia ser abraçado pelos peritos.
Debaixo da ponte
os cães vadios escondem-se
da noite tempestuosa.
Protegem-se uns aos outros
e dos outros
(homens).
Refreiam desavenças;
as matilhas já não são concorrentes.
Os mais fortes dão guarida aos frágeis.
Os bombeiros não têm tempo
para apreciar.
Passam ao lado da lição.
O rio segue caudaloso.
À sua passagem,
um tremor alucinante.
Parece que o cais vai ceder.
Os engenheiros sossegam toda a gente.
Os cálculos foram diligentes
e a resistência de materiais
está garantida.
Também ninguém estava à espera
do cataclismo.
Nem o farol
que com sua luz intensa
abre avenidas entre o denso nevoeiro.
Nem os peritos
que não souberam prevenir a tempestade.
As pessoas perguntam:
devemos confiar nos engenheiros
e na resistência de materiais?