30.1.11

Teoria do caos

Nos escombros
não conta a poeira em suspensão;
ou o sol embaciado pela névoa;
ou os gritos dos desesperados.
Dos escombros
levanta-se uma insólita maresia.
Doce como uns olhos escondidos,
uns olhos candeias por entre os destroços.
Aos escombros e àqueles olhos
em penhor
uma dívida incalculável.

23.1.11

Cannes


Ah!
As aspirantes a starlettes
tragando a marginal
uma e outra vez.
Ah!
O ar enfeitado
com os confettis da fama que se sente,
tudo leveza
e as coisas fora daquele quarto
(o mundo em toda a sua pungência)
uma ilusão dentro do seu espartilho.
Ah!
Rapazinhos aos pares
muito apertados nas farpelas
esvoaçam na boulevard
calcada pelos requisitados artistas.
Ah!
Adolescentes em bandos
exercitam a interminável paciência
em metódicas, demoradas esperas
à porta dos pomposos hotéis.
Só para espreitarem uma nesga
(uma nesga que seja, ó simulacro de interior gratificação)
dos deificados artistas dissolvidos
nos vidros estanques da limousine.
Cannes e isto,
os majestosos néons da frivolidade.

(Em Marselha, França)

22.1.11

Madrugada


A centelha crepuscular
insinua-se pela alvorada
depondo a longa noite invernal.
Ao longe
uma fina camada de névoa
esbate o horizonte.
O dia começa madraço.
Os minutos arrastam-se
lânguidos
a compasso com a preguiça das ruas.
A madrugada
aviva as veias ainda dormentes.

(Em Nice, França)

9.1.11

Uma pulsão


Dois lábios
ou o intervalo até ao ardor.
Os lábios encostam-se
num tempo qualquer.
São o seu próprio templo
na combustão em que se enredam.
Humedecidos
dançam pela batuta do desejo,
os carnudos lábios em fusão.
Naquele instante
todas as coisas pertenciam
aos lábios em simbiose;
fora daqueles inebriados lábios
tudo se esgotava num branco vazio.

4.1.11

Mesa do lado


Isso mesmo:
palita os dentes
ó grandessíssimo torresmo
enquanto os tens e mentes.

Escarafuncha as reentrâncias
não vás deixar do repasto um restolho,
ó boçalidade ainda nas infâncias,
enquanto degustas o molho.

Vomita a tua alarvidade.
Modos à mesa, quem deles precisa
se há senadores com idade

que teimam na desbotada camisa
dos meirinhos da fealdade
com os cotovelos em cima da mesa?

29.12.10

Decantação


Altivo,
como os nódulos dos dedos,
reacende a lareira.
Acalma-o
o crepitar da lenha abraseada,
as cinzas estrugidas.
A canícula
desprende-se pela sala,
toma-a seu império.
Um estremecimento,
um curto estremecimento apenas,
denota um torpor esperado.
Nas cinzas incineradas
despojos tornados inutilidade;
no fumo
a decantação de um porvir.

28.12.10

Esporádicos (3)


O cara de ananás
olhos de perdiz
estulto rapaz
não sabe o que diz.

Oxalá não acordasse:
rosário de disparates,
não há dia que passe
sem barrigada de dislates.

Olhos remelosos,
um altar da inteligência,
fingem-se garbosos

e persistem na incontinência
dos eruditos rançosos,
pançudos da iliteracia.

20.12.10

Matéria incandescente

Nos olhos,
os instintos embebidos.
Uma nau empunhando seu mastro
vitorioso.
Faróis enlouquecidos
que sibilam o querer,
            roucos.
Pelas veias,
em desvairada romagem,
a lava de sangue
            ardente.
Os lábios selam o silêncio.
Deslaçam as palavras interiorizadas:
“no strings attached”.
No resto,
contam os momentos
            efémeros.
Que ungem os dedos
com a preciosidade do ouro.

19.12.10

Torre de vigia


No mais alto promontório
a vigilância do sangue fervente.
Aos pés
as planícies estreitam-se no horizonte.
A névoa dissolve-se
na imperceptível luz em ocaso.
Os viçosos campos,
onde flores e verde ensaiam
uma altiva coreografia,
prometem-se na alvorada.
Seus passos da dança
fundem-se nos segredos da noite.

16.12.10

Esporádicos (2)


As divindades estavam distraídas:
soltou-se-lhes o pé
e quando deram conta
estavam no fundo do poço.
Numa convenção de alcoólatras.

14.12.10

Esporádicos (1)

O meteorologista debita claves de sol.
A galinha calçou os sapatos de salto alto.
A dondoca aperaltou-se para a mercearia.
(E cacareja)
O ministro dorme em cima do bojo.
O ginasta torceu o pescoço.
A professorinha esganiça a voz.
O galã impressiona com as patilhas afiveladas.
O empregado de mesa trauteia Brel.
O sol já vai alto.
E o mundo inteiro,
lá fora,
Ah, o mundo inteiro na bazófia.

11.12.10

Efémero silêncio


À noite,
quando os escombros do dia se revelam,
cicias o meu nome.
O silêncio,
em sobressalto,
passa além do seu precipício.
O sussurro,
um estremecimento que tece
entre os dedos
o irrepetível, fugaz instante.

9.12.10

Nocturno

Dedos
perfumam a casa
a framboesa.
Olhos
verde esmeralda,
mar onde apetece deitar.

5.12.10

Espelho do tamanho do mundo


Olha o madraço
em seu esfíngico disfarce,
um roldão de beatitude.
Olha:
como passa, ufano
assertivo do seu
(empinado)
furúnculo abaixo dos olhos.

E quantos os há
embebidos em tamanha
(e contudo lúgubre)
auto-estima?

2.12.10

Escombros de uma gargalhada

Nas encostas da vida
ri-te em gargalhadas sonoras.
Os dentes brancos todos à mostra.

Perfilha as tonitruantes escalas
onde os varonis terçam suas armas,
só para seres sua antítese.

E folga enquanto o pau vai e volta
ensina-te a seres a tua grandeza
em cabos que, de dobrados, amansaram.

Com os mesmos dentes brancos
morde os dedos graciosos da existência.
Enquanto os tens, dentes, à mostra.

27.11.10

Os contrafortes da impossibilidade


Ah,

se ao menos no ouro do dia

não houvesse ocaso;
se as árvores,

na sua impossível imortalidade,
trajassem sempre douradas folhas;
e se os rios não derramassem
todas as lágrimas no leito marítimo:
um lugar qualquer,

onde se esconda

o santuário da perseguida
impossibilidade.

25.11.10

Da harmonia

Vetustos
os lados escuros
as caras repetidas
as sombras de outrora.
As memórias,
na sua inutilidade.
Agora
o chilrear dos pássaros
as rosáceas avivadas das crianças ao frio
o embotar das árvores outonais;
a doce pimenta da existência
em arpejos melódicos.
Os olhos que fitam o horizonte.
Está sol todos os dias.

14.11.10

Ósculo


Às duas por três
os lábios em colisão.
Saboreiam o seu sal
perfumam-se com o seu veludo.
Não vêem,
os quentes lábios,
que aos olhos não é dado a ver
o êxtase que se consome
nos aveludados lábios em fusão.

13.11.10

Life ever since


Will life be back in – you dare to ask.
Then
in the aftermath of a long breath of pure air
you ask whether life
ever ceased to be.

10.11.10

Mar de fundo


Olha o estandarte
o estandarte da folia,
aperta-o contra o peito
e foge
foge dos cemitérios
onde não jaz vida.
Sopra as pétalas diante
a tua embriaguez divinal;
resolve os condicionais verbos
festeja o funeral de todos os oxalás.
Atira-te de cabeça
ao que tudo compensa e passa diante dos olhos.
Não o deixes numa letargia suicida.
Que os dias escassos
são insultados quando passam,
errantes,
como se fossem um navio fantasma
à deriva
sem capitão nem marinheiros.
Mergulha nas águas frias
afogueia-te nas braçadas torpes até ao navio;
faz-te capitão dele
toma-lhe o pulso com uma têmpera indomável.
E depois,
depois
enfeita o convés com as luzes engalanadas
abre as outrora enferrujadas portas do convés
aos convivas
que querem ser parte contigo.

(Funchal)

No cais


Os barcos no cais
esperam.
A ímpar paciência
embota-se no musgo que se pega ao casco.
E, todavia,
não se impacientam
com as mesmas águas lodaçosas
que os banham na sua constância entediante.
Um dia
serão lançados à fúria do oceano aberto.
Para se saciarem numa qualquer glória
projectada.
E que interessa se esse lampejo é pueril
a uns olhos outros,
se só contam os ensimesmados barcos
no convencimento de um fausto
que só a cada um deles é dado?

(Funchal)

For someone’s teardrops


Wash away the teardrops
those salty tears that melt down
the icy feelings.
Do let them flow
as if they were vanishing rocks
that cut all over the edges
and burst the waves of a furious ocean.
At the same time
gather the unravelled places
where all the colours turn into their own white.
By then
you will rule all over the places.
Learn with the tears:
any drought is worse
than the perhaps acid teardrops
that your eyes keep on telling.

(Ponta do Sol)

7.11.10

Podem parecer ruinas.
Pode parecer que o chão já não existe
sob os nossos pés.
Às vezes,
um mergulho no abismo.
Um tira teimas
uma torrente de provações,
a constante
que ora redefine o equilíbrio
ora faz desabar o chão.
Deixando o corpo metido na sua fragilidade.



(Funchal)

12.5.08

Olhos fechados, uma fortaleza

Só uns olhos fechados
no dealbar da escuridão
onde se joga toda a confiança.

Na penumbra que se insinua
repousam os olhos
resguardam-se em seu colo de ternura:
um ombro, seu ancoradouro gentil.

Não queria
tecer a luz que irrompe na alvorada;
não queria
destruir a escuridão onde tudo se esconde
sobretudo o que não merece atenção dos olhos.

Queria ter assim,
toda a noite,
o ombro protector
contra as investidas de todos os demónios.
Por os demónios possuídos de malvadez
adejarem na luz do dia
vindos de esconsos promontórios
onde vigiam os desassossegados espíritos,
as vítimas que se seguem.

Ao menos no remanso da escuridão nocturna
cegam-se, os demónios.
Só então deixam de ser inevitáveis
só então
exangues da força sobre-humana.

Aos olhos cerrados pela espessa camada da noite
vem o refúgio.
O refúgio
das conturbadas ondas do dia
as que semeiam a desordem e o medo
e apagam vestígios de bondade.

Os olhos fechados num sono iludido
o tear onde ondeiam plácidas águas
lá que a maresia tranquila povoa o sossego,
o tão breu sossego.

À noite dormem os demónios
no seu contrário de morcegos noctívagos.
Os segredos da serrania intensa
nos seus contrafortes escondidos do luar.
Os olhos vagueiam nas ondas circulantes
ciciam o seu esplendor
imersos na profundidade de sonhos cheios de cores.
As cores
que só a imersão num banho de trevas
revela.

Os olhos permanecem belos
de uma serenidade tão estranhamente bela.
Pelos olhos assim cerrados
repousados no meu ombro
as ameias mais altas da confiança:
todo um mapa que tacteio

e em que confias.

4.3.08

Heliocêntrico

A cabeça pousada entre as mãos
fita a escuridão que se projecta no chão.
Não são fantasmas
nem ventos empoeirados
ou aves de rapina que cerceiam a voz;
uma espessa nuvem
clarividente na antítese do negrume
distingue-se nos olhos cerrados.
Uma lança afiada tomba,
estrepitosa,
deixando o seu gume ponto cardeal.

O desassossego providencial
resgata o corpo da inerte função,
já sem a embaciada luz
de onde tanta incerteza se incensou.
As pontas dispersas
as páginas soltas
quadros cavernosos
um uivo de palavras indefesas:
tudo no seu amplexo desassombro
cada golfada de ar
um ruminar em pastos estéreis.

Uma misericórdia lentidão
por onde os ossos se acotovelavam, imensos
e uma covardia de só recusar a letargia indigente.
Havia a cabeça repousado na escuridão
metida entre os quadris
escondida da sua própria fúria avassaladora.
O mergulho aos confins de si
inesgotável, febril manancial de se saber ser
ser
importunado pelas certezas incómodas
mas certezas, porém.

Recentrava os eixos que se geravam em seu equilíbrio:
não era fuga da amálgama revelada pelos olhos
nem a dolorosa ascensão
ao castelo que encerrava curativo exílio.
Ao contrário:
a urgência de ter os olhos bem abertos
perenemente bem abertos
guerreiros ao sono envenenado
que trazia,
com a alvorada,
o adocicado sabor das pétalas embutidas em veneno.

Queria muitas vezes repousar a cabeça nos quadris
remetê-la à escuridão forçada:
não eram as algemas do pensamento a esbarrar,
indomáveis,
contra o peito sangrado;
era como se o navio recolhesse âncora
sulcasse águas jamais tragadas
com a espuma a salpicar
o altar onde tudo renascia.
Deixava de contar tudo o que fosse
inteligível, sensorial, colorido.

Havia uma suave neblina
a escotilha das portas tentadoras
por onde o cêntrico lugar
temperava desbragadas emoções.
Um pináculo tão nítido
ascendendo entre as gotículas que resguardavam a neblina.

E nem que o navio julgasse vogar em círculos
em perpétua revisitação dos gastos lugares;
nem que os olhos
se demorassem num firmamento tão familiar;
ou as palavras, sempre as mesmas palavras,
entoando os cânticos que se esgotam em seus acordes;
podiam até os pés lacerados
de tantas pedras pontiagudas
consumir-se nas suas feridas ensanguentadas;
E nem que os dias em contemplação
inaugurassem a solidão;

Nada
nada por conta do retempero interior
das águas contagiantes
em palpitante trajecto desde as entranhas
lavando as veias das cores que as tingiram
torrente varrendo todas as impurezas.

Até que tudo sobrava na sua nitidez refulgente
numa cor não substantivável.
Um coro ecoava ao longe
melodias de trato encantador.
Levitava, por fim
na sua heliocêntrica condição.

14.1.08

Os bárbaros devastadores

Das catacumbas
ascendem pelos poros humedecidos
rastejam, insinuantes,
amensendam com a boçalidade impante.
Gargarejam alarvidades
sorrisos canhestros
gargalhadas logo vomitadas
toda a babugem repelente
osgas fugidas das profundezas onde o breu
e só o breu
tem trono.

Passeiam-se pela juventude
esbelta e frenética.
Pela juventude antitética de ansiolíticos
desvario constante
atropelos sem cessar
gritaria,
muita gritaria
e desdém em redor.

Mas não:
venho, ao arrepio das convenções,
transigir uma geração;
militante recusa
em esboçar moralidades bafientas
que crucificam levas de adolescentes
e já não adolescentes
no muito sangue fervente na guelra.
Espectador anónimo, apenas
como se do promontório
(e seguro)
andasse testemunha,
fiel dos arroubos intempestivos
do desinteresse lancinante
da vozearia inconsequente.
Ou talvez não:
da vozearia
grito de alma
despedaçado porvir
que fermenta a dissonância do mundo.

A dedo erguido:
os mais velhos
culpados pelo estado de coisas.
Os mais velhos:
deixando os fragmentos
que hoje são o firmamento dos novos;
fautores dos bancos de ensaio
onde deitaram, cobaias, os novos;
sacerdotes do experimentalismo perene
de desastre em desastre
todo um oceano
– um vasto oceano –
de devastação
sementeira de pessimismo loquaz
onde o céu se demora na sua escuridão
o sol emoldurado num museu que sagra o passado.

Os mais novos
nada desaproveitam.
Ciciam os ciúmes de outrora
de um qualquer outrora mais fértil
dos idos que lavraram a métrica do empenhamento.
Hão-de protestar moralistas encartados:
que os novos são todo um oceano
de incultura e desconhecimento,
a pá que levanta a terra da sepultura
a sepultura da bárbara condição que arremete.
E dirão:
os novos tingem as convenções
com os dedos retorcidos
desalinhando puro egoísmo atroz
cicuta que tudo consome à sua passagem.

Eu
niilista sem remédio
desminto-o por instantes:
retemperado das caves imundas que me acolhem
desconfio
que os novos são o contrário da sua imagem dantesca.
Por momentos
é neles que revejo a minha redenção.
Que interessa a estética ininteligível
a língua assassinada
a abúlica expressão diante do mundo,
como se fossem as pedras inertes
recebendo de braços abertos
as ondas que nelas se despedaçam.
E que interessa
ajuizar gerações pelo diapasão hermético
das idades diferentes,
houvesse um compasso acertado
misterioso caudal por onde vogam as águas separadas
os velhos e os novos em camadas distintas.

Resisto:
os novos não são bárbaros implausíveis
bandeiras hasteadas da boçalidade grotesca;
nem criaturas disformes
pérfidas existências onde nidifica o nada
ou placentas mal digeridas
que resguardam maldade e ignorância.
Desenganem-se os que os olham
simples espuma que se esvai ao leve sopro.

Às vezes
deslaço-me do pessimismo antropológico.
Pela mão dos novos
hediondos
sarcásticos
intragáveis
incompreensíveis
retrógrados
impensáveis,
violentos, até;
mas novos, porém.
A longa aura diante dos olhos
os campos que vão até ao horizonte.
Ou, porventura,
apenas inveja pela idade ainda imberbe
da inocente imaturidade
um assomo de nostalgia elevando-se
ciente que o tempo na sua abundância
pertence aos mais novos.

Porventura
o optimismo antropológico datado.

8.1.08

E tu serias

Dizias

haver abraços irrepetíveis

beijos só no instante em que se esvaem

um rosto amolecido pelos afagos

uma cintilante avenida diante dos olhos

- olhos teus

que por mirarem os meus

faziam de mim

miradouro do mundo.


Dizias

que só há uma entrega

as mãos dadas, o combustível dos corpos

e os corpos sedentos

fogueira dos seus complexos desejos

- os corpos na sua síntese

os corpos em coreografias sensuais

alimento e altar

da combustão estrelar.


Pela manhã dizias

que o mundo podia acabar hoje.

E eu

perplexo

sem saber se por metáfora falavas.

Doce a água do regato

O regato escorre entre o musgo

planam as águas frias

sob o testemunho das nuvens

onde ecoa o sussurro das águas.


À noite

só sobra o sussurro

o sinal da ténue água

imparável, mas lenta.


São as pedras, imóveis,

que indagam o destino das águas

fugindo pelas fragas

rompendo entre as rochas que as acamam.


As pedras, estáticas,

diante das águas que rumorejam

os dias ausentes

na sua imóvel condição.


Oxalá se movessem

nadassem pelo leito perfurado

andassem com as águas lentas

até um desfiladeiro, ou estuário, aportarem.


Desenganam-se, as pedras

presas à sua imóvel condição

amordaçadas pela raiz inerte

seu esteio inamovível.


Só sonham, presas ao lugar

sonham com viagens fantásticas

levadas ao colo pela água transparente

só para conhecerem destino outro.


Como se, pedras estáticas,

se tornassem gélidos seixos

abraçados ao rumo das águas esquivas

colina abaixo até algures.


O algures em que militam

um lugar qualquer

quebrando monótona impassibilidade

diante dos dias sucessivos.


Nem que seja

para esbarrarem no precipício

onde a cascata se despenha

na espuma da raiva contida.


Ou que seja

para se deitarem no fundo

de um imenso lago

onde as águas, cansadas, repousam.


E que seja

o lugar de outra sepultura

o algures prometido

nos sonhos acordados.

2.1.08

O poema combustível

Os aplausos ensanguentam as mãos.

Não se cansam

diante da gloriosa expressão das palavras

ecoando

insinuando-se

entranhando-se

onde nem cirurgiões levam bisturis.

Há uma magia das palavras

vomitadas no seu fogo

as palavras-alimento

melodias graúdas que escorrem pelo ouvido

e levitam nas paredes da garganta.

Vêm aquecidas no seu fogo:

são a combustão do espírito

a depuração até das gelificadas armaduras

jamais orgulhosas da sua insensibilidade

- perdida.

As cores admiráveis

consagram os aplausos:

tecido aveludado

onde o poema incendiado repousa,

complacente.

No veludo onde as chamas se aquietam

o poema redobra a sua grandeza

cavalga nas ondas sopradas por um vento vadio

cresce

e mergulha sobre os corpos.

Na combustão audível

desfaz a nostalgia dormente

traz os corpos da sua letargia.

É o poema

combustão dos corpos

a centelha dos músculos apiedados.

E os corpos

entregam-se numa furiosa peregrinação:

batem às portas do pensamento

expelem as lavas das interrogações

incomodam-se com a placidez.

Arremetem sono dentro

e despedem o sossego

- imparáveis na excitação do conhecimento.

E o poema,

intemporal.

O poema dito e lido

legado perene com as cintilantes âncoras

do navio museu sempre ancorado no cais.

Intemporal

como o feixe de luz,

irradiação das chamas que latejam

a armadura onde se recolhem as estrofes do poema.

O poema lancinante,

poema matriz:

nas palavras entoadas

tudo seria ilusão

(a ilusão, ao menos)

dos fragmentos da bondade indescritível.

As pessoas seriam felizes

os rostos irradiando uma alvura leve

as mãos sem as suas rugas

os corpos alindados

despidos de maleitas.

Só haveria tempo e lugar

para esboços da plenitude interior;

a sua antítese

logo fulminada por um raio cósmico

que chegaria,

alado,

dizendo que os felizes estavam garantidos.

O poema

a combustão de toda esta frenética bondade.

Pelo poema

tudo tingido

com as cores que embelezam os dias

sempre uma luz clara

o farol arquétipo.

Nos vastos campos habitados pelo poema

até a tristeza seria vestida

com as cores da beleza.

13.12.07

Poesia (para o jardim) infantil

O natal
perfuma as estrelas
com as cores
da felicidade.