13.3.23

#2709

Colorido o estendal,

à mostra,

a metáfora da vulnerabilidade.

12.3.23

#2708

É o irrepetível sangue

que desmente

a hereditariedade.

11.3.23

Cosmos

O corsário

respira a pele outonal. 

Exilado

esqueceu o idioma-mãe

e de si. 

Joga 

batalha naval

contra a inteligência artificial. 

Quando perde

embriaga-se;

nunca conseguiu esquecer

como a injustiça era pródiga consigo. 

Injustiças indocumentadas (75)

Um desejo ávido

não é um desejo havido.

 

[Inspirado num erro ortográfico, pescado algures]

#2707

Arrastas

no ruir da miragem

o teu corpo derruído.

10.3.23

Injustiças indocumentadas (75)

As águas de bacalhau

nunca foram de confiança.

#2706

Na colher do tempo

o açafrão que adoça a pele.

Injustiças indocumentadas (74)

Nada é impossível

Nada

é impossível.

9.3.23

Teclado

Arregaço as vírgulas

antes que o mel cristalize

e as sílabas fiquem presas na língua.

O vinho arroteia a verve;

aos vermes que nidificam em barda

dizemos a indiferença axial

(pode ser que deixem de ser fantasmas).

Oxalá as penitências não doessem

como doem as indulgências tiradas a ferro.

O amanhã viria

nesse caso

tingido pelas palavras amansadas

e todos os grotescos lugares seriam banidos

como banidos seriam 

os bandidos resistentes.

#2705

Este é o estaleiro ingente,

as obras vincadas no rosto

a pele avessada no viés do tempo.

8.3.23

Dispensa

Passo o corpo amordaçado

a mortalha que desce sobre o silêncio 

sem armas. 

 

Ao fundo

a gruta evoca o medo. 

O medo de quem não tem medo. 

 

As cortinas embainhadas fogem do dia

escutam a voz gutural dos ontens desarmados. 

 

Às voltas com as páginas amarrotadas

junto os dedos 

como se fossem espadas enredadas

e dou ao dia o poema sem nome

avivando as centelhas 

que derrotam as sombras.

#2704

Junta-se a assembleia

que a gangrena 

cai sobre o horizonte

roubando os nomes 

aos fantasmas.

Misalignment

Not the knot:

knot the not

wait

for knock-out.

Un-note the knot,

unknot the note

knock-out

the wait.

7.3.23

Autodefesa

Do caminho raso

as métricas possíveis

afogadas num aguaceiro

desviam as trovoadas triviais;

as copas das árvores parecem sorvetes

mas não se armam os alçapões

sem os arneses por perto.

 

De caminho

o avesso amoeda-se na pele

sua tatuagem impura que se subleva

na parte de trás da catedral

enquanto os rapazotes sobem aos pedestais

em marés de estultícia.

 

Caminho

nas oitenta e oito teclas do piano

desenho as notas no sopé do vulcão

e deixo o peito recolher os frutos ateados

sem sair do caudal de onde sorvo as lágrimas

sem pesar na carne as legendas cegas

e à porta sentar os medos pueris.

 

A caminho da alvorada

levanto a âncora que arrastou o corpo

sitiado por tribunais estéreis

amarrado ao represado manto de água

como se ele próprio, o corpo,

anuísse nas comportas que largam o degelo

mudando a consoante muda

consoante o que muda no jusante.

#2703

A boca faminta

sanguínea

não traz vítimas à lapela.

6.3.23

Falávamos de marés e de outros sortilégios

Dizias

com as palavras ditas em dourado,

as sílabas armadas com destreza,

que eras capaz de secar a maré 

– e eu queria 

que todas as marés fossem 

apenas 

praia-mar

para não molhares mais

do que os dedos dos pés.

#2702

Se as mãos fossem um mapa

quanto património genético

seriam as suas rugas?

5.3.23

Sísifo em trabalhos

Sísifo

não sabia

onde se ia meter. 

Pior seria

se a rocha corresse

montanha abaixo

atrás de Sísifo. 

Dele se diga

com a devida propriedade

que merece a linhagem de astuto. 

#2701

O dedo na ferida

antes que se faça

cicatriz.

4.3.23

#2700

Não se ajeite

alcunha

que a caravela 

é lesa-majestade.

3.3.23

Cinemático

Se não houvesse luar

as páginas

reféns da penumbra

seriam um luto sem fim.

 

Se não houvesse sombras

e a noite 

fosse um espelho sem fundo

o luar seria mecenas do dia.

Injustiças indocumentadas (73)

A mão de semear

e o pé de colher.

#2699

Não se invente a roda

que os nomes dos inventores

já ganharam o seu panteão.

2.3.23

Verde-esmeralda

Às palavras esquecidas no futuro.

À boca que ateia a combustão das almas.

Ao Inverno que transporta a candeia 

que trespassa o olhar.

Ao suor das mãos que falam, 

caindo das árvores que ciciam na penumbra.

Ao ocaso, que é uma jura de futuro.

Injustiças indocumentadas (72)

Eu penso.

Eu,

penso.

#2698

Espreito

pela escotilha

os versos da madrugada. 

1.3.23

Injustiças indocumentadas (71)

Salvo o conduto

faltava 

declarar o ázimo. 

O panteão dos órfãos

Houvesse um trunfo na manga;

mas estava calor

e não tinha mangas apostadas

e do meio de tudo

encenei o palco ruidoso

onde o silêncio subia à cena. 

 

Houvesse um teatro por perto;

mas era um ermo

o lugar em que coabitava com o luar

e a meio da solidão

agarrei as estrelas que passavam na noite

se a noite não fosse

o lugar onde o medo se prefacia. 

 

Houvesse um astrolábio;

mas medieval não era o tempo atolado

e a meio de um nada

arranquei uma confissão à divindade de atalaia

e dela soube que de oráculos sabe nada

de si se desmentindo 

na qualidade em que se apresentava. 

 

Houvesse um remédio à distância de uma mão;

mas a cidade era a toponímia das ausências

e por demissão dos espíritos

ficavam as maleitas à mercê da sua sorte. 

 

Houvesse um navio sem escolta,

seus sem domador os mares atravessados;

mas as marés não estavam de modas

e no meio de mim

arranquei à força 

a ilha que se instalara. 

Injustiças indocumentadas (70)

A mão de semear

é aquela que não é

a esquerda.

#2697

Escondida na noite

uma luz boreal espreita

entre as rugas da alma.