no esboço da alvorada
com a ajuda da centelha retirada ao celeiro
o camponês prepara a jornada.
Sobre a bruma matinal
desfaz-se dos olhos estremunhados
em contrafação com a claridade timorata.
Depois
vêm à tona
memórias acidentais
lágrimas reprimidas
(que a rijeza de um homem do campo
é pergaminho que trava as lágrimas)
colheitas abundantes
solos férteis
e colos férteis,
da altura em que povoava bailes das aldeias
e arrastava a asa
com a destreza de um galanteador.
A reforma do luar,
em forma de escolta da noite,
empresta luminosidade ao sono perdido:
maldita a insónia
que dá fermento às evocações
ao tremendismo das palavras
diluídas na brisa que varre os campos
ao acobreado das searas
que convida a poemas elucubrados
às mulheres de outrora
às proezas nunca reveladas.
O camponês prepara a jornada.
Diz
de si para si mesmo
que as trevas da memória
são uma cortina densa que se abate
sobre as suas mãos encardidas e rijas.
As trevas da memória:
apenas a desconversa
do olhar deslúcido que esbarra
nos contrafortes da desmemória.
Da desmemória
que devia ser a pauta comandante.