O acordar:
desembaraço as pestanas;
as sobras de um sonho
esperam à porta
vertidas num vulto
no crepúsculo em vão.
Pergunto pelo dia.
Os braços desarmam o torpor
o sangue sente o raiar
espera pelo rastilho
o acetinado forro da pele.
O murmúrio das vozes
distante
emoldura as primeiras ruas
como se elas descongelassem
com o estio à medida das almas primeiras.
Agora
as ruas já não têm só as árvores.
E as pessoas
quase todas contrariadas
avançam
contra a vontade
contra a manhã intrusa
preparam-se
para os segredos por vir
sobem ao palco
principais atores
do dia que as tutela.
Segredo um par de sílabas
detetive de meus sonhos
e levanto os corrimões que antecipam a tarde
no resgate da vontade,
procurador indigente dos pesares.
Espero pelo entardecer
refém de um tempo estiolado:
nesta conspiração não tenho voz
as espadas afiadas dançando sobre a cabeça
coreografando o vento sem algemas.
Espero
que o entardecer segrede
a geografia do sonho de que sou véspera.
Até ser um corpo passivo
amordaçado pela entrega do sono
vítima,
ou algoz,
do sonho estilhaçado.
O acordar,
ato repetido;
ou o corpo dormente
bolçando
um sonho
por dentro de um sonho.
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