11.3.16

Narciso (e não é flor)

Entretido com o furor da personalidade
despromoveu a chancela beatífica
que aconselhava aos outros.
Mas isso era nos outros
que na sua elevada estatura
tudo ganhava dimensão divina
(e os deuses vogam acima dos beatos,
ao que consta).
Pois ele há gente que se acha divindade:
em calhando a sorte toda
não podia o predicado ausentar-se dele.
Achando-se em tão alta consideração,
o espelho onde a sua pessoa estava vertida
a projetar retrato malsinado,
era como se o mundo circundasse de volta de si.
Não importava que os demais
dele tivessem águas anónimas
nem tinha relevância,
para o caso,
que as leis do universo desmentissem
o falaz espelho por que se conduzia.
Era o maestro das coisas todas
o zeloso arquiteto da harmonia
ícone de uma tribo urbana
patrono do pensamento credor de aplauso
diplomata nos conflitos assentados
sacerdote pagão que domava as almas
ouvido, lido e escutado
a-bun-dan-te-men-te.
Ou
era tudo isto
(e o mais que aprouvesse)
por dentro de si mesmo
à escala de uma grandeza acantonada
na imensa pequenez que calha a cada um.
Dizia,
de fonte segura
(que começava e terminava na sua pessoa):
haveriam de lhe erguer estátua.
Mas só depois de finado.
Nunca soube exceder
a exiguidade de si.

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