30.3.16

Preces inteiras

O lenço amarrotado
reserva as lágrimas evaporadas.
De olhos postos aos céus
ensaia um arrazoado sem sentido
promessas solenes de metamorfose
recolhe nas mãos o império dos ventos
deixa para os tempos imemoriais
o sal gasto.

Incessantes
as gotas da chuva invadem a janela
e a humidade toma conta dos ossos.
Junta palavras ao acaso
num papel tingido pela dissipação
sem conseguir formar frases inteiras.
Maltrata a folha rabiscada
vai à janela inspecionar a chuva intempestiva
para gáudio dos cães vadios.
Conta histórias mentalmente
histórias ajuramentadas na poeira da desmemória
histórias empolgantes e falazes
ou as histórias mais difíceis de congeminar
– as histórias benzidas pela lhaneza.

Já não sabia onde eram os pontos cardeais
as ameias do castelo
nem se era noite ou dia
ou se os sapatos estavam bem-postos
nem se as vozes em surdina tinham eco.
Só sabia
que preces algumas
desatavam o nó górdio
que atava a noite.

Antes fosse sardónico
barão altivo num assertivo esgar
na militância de um cinismo ímpar:
ao menos
as consumições não tinham alvorada
e o entardecer aparecia de mão dada
com a aurora a seguir.

Todavia
não havia preces à venda
com tal desiderato.

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