26.4.18

Tive uma ideia

Tive uma ideia.
os tentáculos esgrimindo tinta
sobre páginas imersas no fundo do lago
e as palavras quase todas logogríficas
uma portentosa ideia com sede de aplauso.

Tive uma ideia.
Uma ideia sem costuras
o rodo gasto na usura dos revólveres gastos
um mar sem ondas, domesticado
uma ideia ainda à procura de alinhavos.

Tive uma ideia.
Escondia-a:
evitava o seu sufrágio
contra as decadentes formas de linguagem
os oráculos amadores
os desapoderados de ideias
que vituperam as ideias outras.

Tive uma ideia.
Um natal sem cabaz
um cavalo apascentado no deserto
uma acácia ressequida
o sol que se não deitava
e o horizonte perenemente desmaiado
uma tesoura baça, imprestável
e resmas de páginas ainda em branco
suplicando por um aluvião de ideias.

Tive uma ideia.
Uma só.
A máscula divindade da fecundidade
o acerto de contas com o desmedo
um pêndulo aritmeticamente estimado
o nevoeiro cirúrgico sobre a enseada
os olhos não hesitantes.

Tive uma ideia.
Arrastei o arado entre os sedimentos leitosos
e senti a espuma levitar
entre os nódulos dos dedos
desembaraçando os nós cingidos ao olhar.

Tenho uma ideia.
Mas já me esqueci dela.

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