28.7.20

Não dar ouvidos

Dar ouvidos

sempre causou espécie

não por ser contra

liberalidades gratuitas

mas por não saber

a quem eram doados os ouvidos

e o que podiam ouvir

com a intermediação do donatário.

 

Também era razão de perplexidade

descobrir como determinar a transação

se ela peticionava 

o arrancar à origem dos ouvidos dados

e se haveria anestesia de permeio

ou a dor seria a paradoxal paga.

 

(Prenhe da irremediável ingenuidade

não me era dado saber

que dar ouvidos

em sentido corrente,

como expressão idiomática,

é pior do que a sua literalidade.) 

 

Termos em que se aconselha

a não dar ouvidos

ou a cara 

ou o corpo

(ao manifesto);

não vá tamanha generosidade

ser de nós próprios

algoz.

 

Uma vez doados os ouvidos 

(ou qualquer parte restante do corpo)

não há remédio

pois colados ao abismo deixado

não é possibilidade a admitir

e os ouvidos

(e partes outras do corpo)

têm préstimo

quando ao corpo pertencem.

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