5.12.17

Do peito meu

Dou meu peito seco
enxuto de sangue
do sangue penhorado
de onde não havia serão
nos primórdios da desrazão
no limbo do prazer
altar das possibilidades sem prazo.

Dou meu peito descarnado
os véus removidos
sem ancestrais medos
nem comoventes regras a esquadro
sem esperas militantes
sob o jugo da íris vigilante
no opúsculo da filosofia servida.

Dou meu peito suado
trono impecavelmente desassisado
entre as ondas remexidas do mar
entre estrofes estouvadas
em telas lisas com as cores todas
sem a estepe da noite
num luar medido a passo meticuloso.

Dou o peito como ele é
cabaz ora vazio ora imenso
viveiro de paradoxos
dicionário irrepreensível
olhos não contumazes
juiz só do peito próprio
contra prognósticos sombrios.

Dou ao peito
fragmentos do mundo inesperado
nas frondosas janelas entreabertas
no compasso estrepitoso da manhã
em rimas desmedidas
em jogos pueris
em sentenças apoderadas.

E do peito retenho
o sal vistoso decantando ao suor
matéria sensível
rosário de juras sem firmamento
implacável rival dos desmerecidos
rosto aberto ao desafio do mundo
rosácea inteira na falésia longínqua.

Do peito lego
talvez sem pedido algum
um módico de mim
a indiferença total
o fado sem trono
a aventura sem freio
gastronomia do conhecimento.

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