21.12.17

Trapézio

Sobram as cadeiras vazias
o cheiro a solidão
o cais sem rasto
o navio fantasma
as viúvas abatidas
as aranhas teimosamente sentadas.

Num raio de sol
o espelho mendicante
estilhaça as núpcias recentes
e a mulher em prantos
sem deixar descair o rosto (porém)
eleva a mão tumular sobre o soalheiro dia.

Favoráveis as contas
o artesão estonteia-se em planos audazes
na surdez dos aforros
contra os predicados dos peritos
apenas general da (sua) teimosia
na fartança de dinheiros em caixa.

O nenúfar abriga o peixe venal
sem a estatura de uma ponte
com a senha improvável
nas arcadas em ruínas sem norte
metidas em águas arroxeadas
albergue longânime contra tempestades.

Das teclas do piano percutidas como veludo
desabrocham pétalas orvalhadas
o singular lampejo das divindades
fortuita inspiração sem musa
ou insincero devaneio sem paradeiro
na espera deletéria das artes sem espera.

Sobra o espaço vazio
o chão sem vestígios
um deserto de gente efémera
um lugar incaracterístico
caudal voraz de águas matinais
o imenso compêndio das terras sem limite.

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