Conto os navios
que dormem na baía.
Gostava de saber
se os marinheiros também dormem
enlaçados no sono dos navios
– gostava?
É só uma figura de estilo
que o sono dos outros
é não assunto
e o paradeiro dos navios também.
Mas o olhar que se demora
na finitude do mar
esbarra nos cascos enferrujados dos navios,
que enforcam o pensamento,
distraem-no.
Os dilemas insondáveis
fatiados em interrogações
tão solenes como invariavelmente inúteis
têm a mesma profundidade
das âncoras largadas
do fitoplâncton aos milhões nas águas à volta
de um olhar perdido na lonjura do firmamento.
Se ao menos
o mar consentisse os seus segredos
o que guarda no avesso de seus fundos
que ouro nobre se dissolve
no sal que o compõe;
se ao menos
o mar
este ou qualquer outro
contasse o segredo da maresia
e nas ondas levantadas em forma de coreografia
democratizasse um saber,
as interrogações deixariam de ser
fértil desejo de um nada
e o saber
assim democratizado
em coro com a resplandecência do mar
se transfigurasse
num vão de escada
onde voz mais alta teria a banalidade.
Que é da mesma cor
do sono dos navios
e dos marinheiros
acordados
ou em seu sono de reclusão.
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