15.6.18

Letargia

No semicerrado estio
insisto na voragem do dia
espero que as flores desabrochem.
Espero-as
nem que seja por um instante
para as emoldurar numa fotografia
e dedilhar suas pétalas
para dentro do olhar
na fusão dos sentidos entrelaçados.
A um outro canto
a multidão irrequieta açambarca o espaço
e, ruidosa,
prossegue no mais alto da indiferença
enquanto um vesúvio de pensamentos
enfeita as ruas
atapetando-as com o vinho frutado
bolçado pelos vulcões irreprimíveis.
Os eruditos
colecionam páginas e páginas
sem conseguirem reter meia dúzia de palavras.
Acontece à gente de boa estirpe:
os que se engalanam
em opíparos estamentos
e de seus dedos escorrem filamentos
com sabor a ouro 
– e depois é um fartote de vacuidades
um copo farto de frivolidades
e um prato cheio de ar 
(e do rarefeito).
Ah!,
prefiro os cães sem eira
os navios à deriva
as páginas quase caiadas
os cobres sem valimento
as luvas rotas
as rosas encardidas
os quatrocentos rios inventariados
uma árvore que transborda sobre a paisagem
e um verso vertical
no vício que transverso na colorida paisagem.
Aposto a fortuna
a que tenho e a que não tenho
(como os eruditos 
que convocam saber
que não é seu)
que amanhã
é a véspera de outro amanhã
e no parapeito dos lugares-comuns
nidifica a multidão.
Não há nada que seja diferente.

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