9.1.19

Alabastro

O crepúsculo admite as primeiras estrelas. 
A noite não demora. 
No desmaio do pensamento
o rosto esquece-se da sua silhueta
quando o espelho o devolve
e não pressinto ser o rosto meu. 

Não há problema. 
Todos temos esquecimentos. 

Imagino os esquecimentos futuros
como se estivesse na dobra dos tempos
e o vindouro fosse meu achaque. 
Não é o caso. 
Não posso estar mais desinteressado
sobre os corredores estreitos
do tempo futuro. 

Tenho-me numa encruzilhada
de que não sou capaz de definir os contornos.
É esta soturna impaciência que me tolhe. 
Espero a noite de véspera
cansado antes do tempo
cansado logo que a noite se anuncia
cansado aos primeiros vestígios da noite. 

Lembro páginas avulsas
enquanto combato a tirania do porvir. 

Se ao menos o tempo se esvaziasse,
se fosse reduzido a um invólucro,
exterior,
fosse legítima a espera,
o sentido da vida,
e os sobressaltos se amputassem
pela simetria perfeita dos novos tempos 
– dos tempos sem tempo.

Combino com a consciência
o redesenho das costuras que me limitam. 
Não faço promessas. 
Não me empenho a juras fátuas. 
Não sei o segredo. 
Porque entendi que os segredos 
são uma miragem 
e por dentro da miríade de palavras que contam
segredo passou a palavra extinta. 

O entardecer ultrapassou-me
e agora já tenho a noite por palco. 

Não há problema. 
A noite não é imorredoira.

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