28.1.19

Meia-idade

O rosto visível
na sombra dos versos
chama a voz a desmedo
nas sílabas que se desprendem da boca.
Sem a ferrugem do gasto
na mão das palavras casuísticas
e, porém, acertadamente temporais,
esboça-se uma dança sem par
o colóquio antes da tarde
no sopé do peito ufano
autor dos versos escondidos.
Fossem os sufrágios da mesma têmpera
as manhãs um riso sem fim
e as rosáceas não murchassem com o frio;
fosse a jura como a maldição
e as campas sem corpos
a tinta perene, na recarga da caneta,
e os pulmões não cessassem a função;
fosse o labirinto o escol da modéstia
e os furtos, distrações sobre a maldade
as vestes nunca gastas
e os pirómanos transfigurados fogueteiros
à passagem dos comboios fantasmas
nos apeadeiros perdidos
nos rios sem nascente por demarcar
e as guitarras uníssonas ciciando o silêncio
contra o jorro dos geiseres pespontados
no olhar insaciável.
Creio ser pouca a ambição
se segredar que quero tomar posse
do mundo inteiro,
dar à sua volta quatro voltas inteiras
e atar a angústia esmaecida 
nos contrafortes da loucura  
como é privilégio dos argonautas sem sono.
Quatro
as voltas ao mundo
sabendo tua mão gémea da minha.
E depois
na mealha do matinal vento quente
segredar ao teu ouvido
um punhado de palavras quiméricas
antes de sabermos por onde entrelaçar os corpos
e na bica dos suores
escrevermos as estrofes vadias
os preparos do despreparo
a loucura em que fermenta inveja
as orações sem deus outro se não nós mesmos
as mãos juntas
cúmplices
as bocas desenhando-se uma na outra
e toda a fome descontada no singular amor.
Com tudo à mão de semear
as armas que não precisam de guerras
as armas com que terçamos os opúsculos fartos
património que só nós sabemos
tutores das almas que apetecer.
Bebo uma gota do suor
na curvatura levemente ruborizada 
do teu dorso
e sei-a do sabor do meu.

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