3.1.19

Recolhimento

Saciado no palco raso
recolho os contumazes, aleatórios rostos
no tumultuoso caudal da memória. 
De memória
não admito sequer os traços grossos
e os rostos decaem numa névoa fugaz. 
Nas varandas arqueadas sobre o fojo
perfumo as palavras com a pele
à espera da continência do amanhã. 
Sei que não posso esperar
pois o amanhã nidifica
no irrepreensível vazio que é a incerteza,
o tempo ainda ausente. 
Vejo 
como as duas medidas do tempo
se pressentem num sincrónico tear:
os rostos esquecidos rimam 
com a porvir de que não há memória. 
O trono vagou,
as divindades extintas no furor da inverdade. 
Cabe algo maior
no peito que abriga das intempéries:
uso a fita métrica 
e nem apesar de os números desmaiados
perco a noção da estultícia,
não vá ser colonizado por ela. 
Os rostos permanecem apenas
silhuetas,
um vago alpendre com as formas distorcidas
as palavras consumidas por um silêncio voraz
o esquecimento matricial emparedado
nos limites dos tempos ausentes. 
Sei ser esta desmedida,
o ousado destemor vindicado,
o embaixador ostentando o tridente
que adestra as marés embebidas no calendário. 
Antes assim. 
Talvez ainda não seja tarde
para aprender o que a teimosia recusa. 

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