No tira-teimas mais teimoso
duvido que as dúvidas sejam ajuda
e a ajuda não se estima
no logradouro dos orgulhosos
(que a recusam).
Podemos ser apátridas
incansáveis perseguidores de quimeras
pescadores de versos improváveis
crianças perenes sem a parte pueril
argonautas com aguçado apetite
lutadores sem arena ensanguentada
e mesmo assim
devolvem-nos ao mar
as marés com que nos ornamentam
pois sabemos que o mar
é a haste da sabedoria.
No amparo da noite desenhado pela lua
atiramos à sorte a sorte contra o azar:
não sabemos ao certo
o mapa sem fronteiras
pois as fronteiras foram dissolvidas
no verbo que se não gasta
nem com languidez do tempo.
Por isso
pesamos as sílabas
como se fossem pedras preciosas
nenhuma sílaba deixada por dizer
no ouro inteiro que é gramática onde repousam
as bocas controversas.
E voltamos ao tira-teimas:
a pedra angular por onde se verte a angústia
o medo do medo maior
a partida
irremissível, sem remédio.
Oxalá houvesse um firmamento outro
por onde prosseguir,
dizem:
uma passagem
está por onde somos
meros intérpretes de vontade que não é nossa.
Perdemos o norte, o sul
perdemos das mãos a bússola itinerante.
Podemos emaciar o rosto
no sobressalto da finitude.
Até que um golpe de asa transfigura o palco,
subitamente irreconhecível.
Adiam-se as inquietações
e um pássaro generoso,
com a cobertura de suas asas,
tudo cobre
e na sombra se distingue o chão húmido
a morada derradeira dos que capitularam
e dos que à capitulação se encomendam.
E, enfim,
já é possível transcrever estrofes proibidas
sem o medo do medo maior
sem sermos assaltados pelos vultos algozes
e da porosidade das pedras
que compõem a montanha
sermos tutores do devir.
Apanhamos
os contornos do desenho em que somos rostos
e descobrimos um sorriso discreto
não forçado
a aquiescência da maré que tem lugar
sem ter data no calendário.
Bebemos no verso do dia
tiramos ao tutano da vida
tudo que nele se contém
para devolvermos em dobro
até sentirmos a ossatura firme
um calendário sem páginas por dedilhar
e do copo subimos as paredes
fazendo nele as gotas tidas por evaporadas,
do corpo habilitarmos a muralha
de onde somos feitores.
Não aprendemos a dizer adeus;
refugiamo-nos nos braços do outro
curadores do corpo nosso
e do sexo trazemos o descuidado prazer
que ensina a geografia do infinito,
em oposição
aos manuais do entendimento.
O tira-teimas
consome-se na sua infecundidade:
que desperdício de vida
estar à espera da morte
com o medo que ela infunde.
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