22.3.19

Vigilante

Dizem que o crepúsculo
não tem vidros
e os uivos da maré decantam
a desmaiada cor do entardecer.
Se soubesse
como cantam as areias beijadas pelo mar
queria para mim a palma de ouro
o leito sagrado das palavras não ditas.
Queria
um sonho intenso
enquanto os cães bulhavam na rua
e os latidos eram verso sem apocalipse,
um sonho por dentro de outros sonhos.
As muralhas servidas no rosto
úbere das lágrimas sustidas
ensinam os óbices superados:
não há mestres por aqui
e os versos entoam as preces sem vento
o temível, admirável declive da vida
e aprisionam a decadência
num quarto sem janelas.
Não quero o crepúsculo
nem me iludo com o sortilégio do entardecer.
Escavo com as mãos
as sementes que as há,
sedentas,
imensamente férteis
e trago a mim a terra molhada
máscara que reifica o corpo perene.
Enquanto
houver perenidade.

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