9.4.20

O beijo do vento

A maré
trouxe os godos polidos 
em seu vazamento 
no despontar da geada,
o rarefeito ar frio da aurora.
Andava uma mulher curvada
julgo 
na colheita dos godos.
Espalhados,
os despojos da maré-alta
desenhavam um caos sobre o areal:
mastros de árvores idas
a polifonia dos plásticos imensos
a areia suturando uns limites desarranjados
dois ou três pneus avantajados
mas sem notícias de garrafas desembarcadas
que já não deve haver náufragos por contar.
Da janela
a resplandecência dos lisos godos
à medida que o sol desenvergonhava
e semeava uns quantos raios
incendiando as pequenas pedras,
que aparentavam um polimento de primor.
A mulher sacudia a areia dos sapatos
quando o vento mudou de parâmetro
e arquejou pela barriga do mar,
até então ameno.
Por sorte,
a maré vazava.
O mar estava poltrão.
Deixou o vento em solitária fala.
Como a mulher 
que inaugurara o dia na colheita dos godos.

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