23.4.20

Telúrico

O fumo parece ter boca
e por ela 
esvaziam-se os mudos pesares.

Não sabia
da feérica noite sem paradeiro
dos humanos pudores à porta
das páginas armadilhadas.

O dia já não tem crina.

Sobre os contrafortes da luz
projeto uma vírgula sopesada:
sobro eu
na vigília das palavras mortas
cadafalso de mim mesmo
sem tempo para o ocaso.

O fumo parece ter boca
e pela boca
angariam-se os tresloucados poetas
os árbitros sem toga
sílabas altivas no penhor das calendas
até que o mosto seja o magma hesterno
até que
as estátuas não sejam insolventes
na poeira ampla
que o cometa deixa em cauda.

Afinal 
não era o fumo hediondo
a macerar sem tradução;
era a poeira
de um cometa devolvido à maresia
donzela fleumática no cerzir do idioma
enquanto pelo sono
os demais colhiam os frutos maduros.

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