16.7.17

Rogo

A viagem isenta
os mapas perdidos
sem o hálito pesado
dos armários passados
nem o hábito irritante
da certeza do devir.
O nevoeiro atrasa o olhar
em sua demanda precocemente
inquisitorial:
a viagem
é um destino que colhe
sortílego adiamento,
o adiamento do destino.
Saltimbanco
se faz o viajante
no coabitar dos desejos nos seus 
deslimites.

15.7.17

#255

Braço de ferro
entre o estoico e o hedonista:
alvíssaras à modernidade.

14.7.17

#254

Se não fosse 
a usura do tempo
dir-se-ia que o corpo se resgatara. 

#253

Se não fosse 
a usura do corpo 
dir-se-ia que o tempo não vingou. 

Ermo

No ermo
não se rasgavam páginas
só porque uma vivalma passeava diferença.
Não havia tutores de ergástulos
vindicando um saber sem refutação
indispondo-se com perguntas. 
Nesse ermo lugar
provavelmente
as pessoas dormiam de dia. 
Saltavam infantilmente à corda
no imorredoiro,
e também pueril,
sorriso sem cortinas. 
Sendo ermo o lugar
a nudez não era vergonha. 
O sexo,
banal
(sem ser depreciativo)
obnubilados os esgares de reprovação
na ausência de códigos de conduta
e de quem os apascentava
numa totalitária impureza. 
No ermo 
onde as pessoas depositavam seus sonhos
o chão não tinha esteios
e do céu sem nuvens vertia-se chuva. 
O ermo lugar
era destino dos sonhos
um palco etéreo com vozes a preceito
palavras estrelares
bondade intrínseca
a que nem se chamava bondade
chapéus garridos dando amparo dos demónios 
um lugar frágil,
contudo,
dentro de uma redoma,
onde o giz lapidar era dado sem distinções
e onde não havia mandantes. 
Os ermos lugares
habitam nos sonhos
que, 
por o serem,
são o coldre desassisado de lugares ermos. 

13.7.17

#252

Pudéssemos mudar de olhos
e as coisas que vemos
na sua mesmice
eram trespassadas pelo mesmo olhar?

Invasores

Conquistado o dorso de castelo
já não suas muralhas
indiviso território.

Os profanos riem-se
com a generosidade dos iconoclastas
em seu cio contra deísmos atávicos.
Não sabem
os profanos em sua sobranceria
que podem os deuses
ser ilusão vertida
no pensamento fácil dos prosélitos
mas é sempre devido
o devido manto de esguardo
pelas crenças outras.

Dentro do castelo
experimentam os néctares desconhecidos
os sonhos inexperimentados
as medidas julgadas impossíveis
vários impossíveis.
É a prova dos nove,
dizem
vitoriosos
os profanos invasores.
Adestram invasão sem armas
invasão permitida pelos aldeões:
pode dar-se o caso
de os invasores saldarem a invasão
com a noção de terem sido eles
os invadidos.

É a prova dos nove,
advertem,
alarmados,
os mais desconfiados entre os profanos
com os braços caídos dos aldeões,
não seja a invasão
o ardil dos invadidos
para virarem o jogo do avesso
– e sem terçarem uma arma sequer.

Desta prova dos nove
ninguém tem oráculo.

Os profanos
em sendo possível prevenir
a escala indesejável da invasão
teriam preferido a inércia
(enquistando a heresia do ateísmo)
ou ousariam
o risco de serem convertidos
pelos deístas invadidos?

#251

Estimo os luares sondados
que sobrepõem dia
às densas cortinas da noite. 

12.7.17

Apostilha

Nada
no baço desarticular do fumo
no cigarro madraço
aceso
sem o nada por haver
entre as cortinas onde o tudo se esconde.

Tinha as medidas
no tempo em surdina
e os olhos eram a maresia
à espera de um miradouro a preceito.

Dizia:
quero o tojo a enfeitar a pedra chã
os peixes voadores em explosão cinética
uma constelação de palavras sobrepostas
uma chamada murmurada entre as paredes dúbias
o diálogo enroupado
chapéus datados, aformoseados
lugares terraplanados no templo das ilusões
logros acomodados nas esquinas sem sombra.

Nada digo
aos prazos diuturnos
aos deveres sem caução
aos propósitos inverosímeis
à mortalha onde medra a desconfiança
à palavra adeus no seu apocalipse
à noite medonha com medo de ser branca
aos vultos resgatados de um poço seco
aos fantasmas transbordados dos panos gastos
às intempéries boçais
aos deselegantes apóstolos das palavras banais.

Imperativo sem par
é o desligar a ficha da corrente
e povoar as imagens diante dos olhos
com os ingredientes da alquimia feita
com o ouro mágico ungido dos dedos.

#250

Lábios abastados
na combustão dos beijos fartos
a sementeira fértil de que somos
artesãos. 

11.7.17

#249

Toca-me com a tua voz
cobre-me
com a haste desfalecida
de uma alma cheia.

Senha

Se a lava do vulcão
cobrisse o ouro calçado
e a avareza
não fosse se não um pesadelo
os medos afivelados em salas fechadas
e os trovões já não medonhos,
apenas uma centelha aparatosa.

Mas o jogo não apetece
na sua funesta função:
o vulcão já não está adormecido
e os deuses
(ou o que deles sobra)
castigam os lugares
com sua iracunda cinza iridescente.

O sol sem céu
perdeu pergaminhos
e as pessoas já não sabem sorrir.

São os medos
terramotos perenes
enquanto os corvos se passeiam
pé ante pé
à espera da lúdica fome por matar.

#248


𝑁𝑜𝑟𝑚𝑎+ 𝑖𝑛𝑡𝑟𝑜𝑚𝑖𝑠𝑠ã𝑜3 = anarquia. 

10.7.17

Totalidade

Sou eu
dentro das nuvens
sua ossatura exemplar
mas não tenho lágrimas
e a chuva calculada fica adiada. 
Sou eu
mastro estocástico da outrora solidão
agora vertente exemplo do amor
imensa nau
onde todos os mares têm cabimento. 
Sou eu
caução maior da loucura sã
(e mesmo da insana,
se preciso for)
generosa alma
dádiva de frondosos frutos
corpo hasteado em penhor de invernia
desassombro faustoso
na opulência das páginas abertas
franqueza enquistada
no castelo amurado contra os vetustos ardis
frontispício aberto à lhaneza demandada
rio indomável
irrompendo entre as rochas timoratas
janela desembaciada à espera do amanhã
à espera da manhã quimérica
das almas suficientes
do amor majestoso
por onde regresso ao eu que sou.
Sou eu
esta pedra viva
onda sobreposta
perfume tardio
lua-sol
sem ocaso a pestanejar sobre o entardecer
sem pesares sombrios
só com a corda toda
o apetite desatado pelo húmus enriquecido
de olhos avidamente abertos
preparados para se embriagarem
na alquimia segredada num murmúrio
ouvido desde a voz quente
que dá alimento
à alma que assim se engrandece.
Sou eu. 

#247

A desforra dos fracos
sem combustão visível
no antebraço dos poderosos,
em seu sono. 

9.7.17

Contagem

Sessenta palavras:
um estaleiro ou uma serenata
o farol em cima das nuvens
beijo quente no rosto insaciável
diadema anelado.
Quarenta palavras:
o número errado
uma estrela cadente
as mãos trémulas
as dádivas estremunhadas
em campos floridos
despojando os favoritos lamentos.
Vinte palavras:
lágrimas virgens no assobio noturno
em verso desafinado
bestiário incapaz no ninho dos algozes
e juras interrompidas.

8.7.17

#246

Uma mão cheia
de rosas sem dono
para penhor alçado
do sensato contumaz. 

Empreitada

Desalma até ao osso
descose as bainhas 
mesmo as mais teimosamente atadas
devolve ao mar
(origem e terminal)
as fundas raízes
desencontra os bastiões da identidade
desengana as fazendas gastas
que julgavas centrípetas
desfaz os chãos lisos
que tinhas por ancestrais
desmancha os telhados estéreis
desarranja os penteados
(meticulosamente hasteados)
desacerta os relógios tiranetes
dispensa os oráculos imberbes
desiste da identidade não tua
desossa a alma 
e desalfandega os rios escondidos
desenfreia as vontades embotadas
desobstrui as cores dantes desterradas
desenvencilha os pactos nascentes

7.7.17

Púrpura madrugada 

No sopé da acrimónia,
entre duas braçadas de melancolia
e um esgar de humildade,
desamarrava o atavismo
e projetava o olhar
para o lado contrário do pretérito.
A astúcia amealhada,
o entesouramento que soubera ser prudente,
anestesiava as angústias sobrantes. 
Da noite para o dia
perdeu a meada aos vértices do tempo
deixou até de possuir certezas
sobre a identidade.

Era o que menos importava. 

Só sabia importar
que coisas dantes importantes
ganharam credenciais de irrelevância. 
Era como se um banho de águas medicinais
tivesse sido seu refrigério
ou como
se as lamas de uma pureza qualquer
tivessem prodigiosamente desabado sobre ele:
enfim
podia acordar imerso nessa pureza,
a de se achar indiferente à acrimónia
e suas semelhanças. 

#245

O campeão mundial da languidez
ofereceu-se
(em dote de aniversário)
opíparo arroz de lampreia. 

6.7.17

#244

O traço fino
dissolve-se no firmamento,
nele fundido:
honesto. 

Sortilégio

Um archote
à espera de ser incinerado.
Pois disseram
que sem luz não há cabimento
para o dia sequer;
não há túneis regrados
lemas frequentáveis
lugares merecedores
palavras mercadas
gente com lugar para o ser.
Sobrepõe-se,
o archote,
às sombras contumazes
a macieza das flores ditadas
no arquétipo do jardim imaginado.
Alguém empresta chama ao archote.
Desprendem-se pequenas centelhas
que se apagam
ao beijarem o orvalho tardio.
Talvez se concebam sombras
furtivas sombras
no rumorejo da chama do archote.
Ou então
a chama é domada entre as mãos
e toma-se o seu tremor
como arrebatamento em falta.
O arrebatamento
para sancionar o fausto em que o dia,
um dia atrás do outro,
vem embebido.

5.7.17

Plenipotenciário

Na preparação do chão fértil
dragados os sentimentos
em elipse impura. 
Se as peças do jogo
são inertes,
descaucionadas de vontade,
sobejam os acasos
os lóbulos enrubescidos
de quem se sabe vítima
de falares alheios
no ADN virtuoso
da indiferença. 
O fumo do tabaco
embebe-se na roupa
e o raciocínio perde-se no labirinto
onde sacerdotes vários se extasiam 
com o luar desmaiado. 
Às mãos
entre as cortinas do nevoeiro
os juros do aforro da alma
a metódica exegese da obediência
dos juízos interiores. 
E para quê?
pergunta em apuro
nos preparos insatisfeitos
que se afivelam depois de conseguida
a proeza. 
Pois a proeza
esgota-se
no exato instante da sua consumação. 
Depois
sobram apenas os vestígios do passado
as recordações estéreis.