2.2.16

Bons rapazes

Intrépidos
os rapazes fugiam do sossego.
Desassossegavam as campainhas dos vizinhos
e deitavam-se a fugir, em louco corre-corre.
Amarravam os cornos das vacas ao cercado
gastando gargalhadas diante
do gado desembestado.
Bebiam vinho por copos de leite
pagavam à cidade com altercações
quando a cidade perseguia a noite tranquila.
As fisgas cuspiam pedras afiadas.
Do alto do prédio
disparavam sacos de água
zelosamente ao lado de quem passasse.
Passavam o tempo a arranjar partidas
nem que fosse para matar o tempo
(que o tempo desocupado era fértil).
Não era por mal
se acaso causassem dano
– e, assim como assim,
o dano não era um rasgão doloroso
na carne das vítimas.
Um dia,
já espigadotes,
caíram no engodo de umas raparigas.
Achavam que iam ter deleites,
não desconfiaram das facilidades.
Acharam-se prisioneiros
numa fábrica sem serventia
reféns de uma armadilha.
Não tinham saída
e a noite teve de ser ao relento
assaltados por um frio invernal.
Dois dias depois
a polícia veio em resgate.
Famintos e cheios de frio,
as mãos trémulas nem conseguindo segurar
os mantimentos de emergência,
quase juravam que não voltariam
a ser estarolas.
Mas apenas quase foi a jura:
depressa o sangue ferveu nas veias
e as promessas da aflição
nem subiram à boca de cena.
Estava-lhes no sangue
serem doidivanas sem freio
madraços sem remédio
rasgar roupas puídas nas aventuras demenciais
insultar agentes da autoridade
pregar sustos a senhores bem-apessoados
e rir,
rir tudo o que vinha da barriga
sem travarem a função.
Suspeita-se
que eram tutores da felicidade
inteira.
Deles não há notícia
tempo bastante depois
para serem adultos e bem-postos
(ou adultos e em perdição).
Do seu paradeiro não há menção
nem os vizinhos sabem onde se dissolveram.
Os bons rapazes
em segredo
à distância e sem se verem
cultivam ainda
a frenética passagem pela juventude.
E conservam comendas que o atestam.

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