24.4.17

Metafísica desossada

Os deuses
no tempo em que os havia
andavam nus
com as 
(a julgar pelos quadros dos pintores clássicos)
derruídas protuberâncias em exposição
e ninguém protestava contra a indecência. 
Dir-se-ia
(se a filosofia não atraiçoa)
que aos deuses tudo era caucionado
até a impudicícia da nudez
até dedos erguidos de deus para deus
pressagiando terrífico gosto pelo sexo igual. 
Ou então
a vergonha de hoje
quando a nudez dos corpos
merece agravo do pudor instituído
é uma cortina que esconde
pessoais agravos que fermentam
mal resolvidas interiores demandas
(em linguagem decifrada:
as pessoas
têm ocultada procura por corpos outros
por pudor dos corpos próprios).
Ou então
os deuses são uma versão disfarçada
dos terrenos homens,
sofisticação ardilosa da imaginação
projetada numa tela
em estátuas mirificas
em tetos de capelas projetados
na infértil imaginação
de gente despovoada de critério próprio.
Em falta está
a imperativa falta de humildade
para as pessoas se considerarem
deusas de si mesmas.
O que está em falta
é um deus privativo em cada indivíduo. 
Ou então
decretar-se
de uma vez por todas
a falência dos deuses
e da própria ideia de deus. 

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