24.1.18

Às coisas simples

Um tributo loquaz
sem conceitos pelo meio
apenas um ato singelo. 
Pois da singeleza das coisas
se batizam atributos ímpares. 
Pode não sobrar mais nada,
a não ser um ósculo denso
que devolve aos lábios a combustão de outrora;
ou as variegadas páginas
que trazem à tona as águas subterrâneas
de um rio dantes raso de caudal;
ou as palavras sem marca registada
as mais simples de todas
as mais difíceis de terçar
tão difícil como segurar a nuvem nas mãos
ou deitar as ondas do mar
com a ajuda de um braço;
ou abotoar o sobretudo para fingir o frio;
ou falar bem alto
a meio de anónima multidão
em hora de ponta
a imparável maré de um amor sem peias. 
Sobejam os arbustos à mercê da erosão
o sistema complexo reduzido a uma equação
a miríade de rostos indiferenciados
os braços sequiosos de corpo
um copo a vazar-se depressa
a multidão que,
somada,
corporiza milhares de anos
a constelação de nadas em ebulição
a afanosa sobranceria dos eruditos
e a correspondente obnubilar de pergaminhos:
um espelho retrovisor estilhaçado
no arfar genesíaco do meio dia
as espadas enferrujadas
o cinismo sem maldade
os choros precisos
as juras que fazem sentido
no meio do lugarejo desassisado
que terá deixado de fazer sentido. 
Que as odes sejam a antítese
dos personagens que ocupam o palco,
que selem a indiferença dos muros açambarcados,
a que escapa a prova dos nove,
seladas pelos vingadores das coisas simples.

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