31.1.18

Fresco noturno

Morde-me esta intuição
prisão dilacerante
uma terrina estilhaçada como palco
e os pés feridos nos despojos lançados.
Arranjo coragem para o longo estio
e nem a sombra contumaz
chega a ser sombra
desmentindo os argonautas pueris
e o mar precoce.
No vetusto banco do jardim
calcinado pela ferrugem do tempo
sentamo-nos lado a lado.
Olhamos
olhamos em redor
e para as copas das árvores
à espera de perderem a vergonha da nudez.
Somos a alvenaria constante
os azulejos cintados numa constelação de cores
a palavra-viva contra a matéria-morte
a palavra que dispensa contratos
o contrato de cimento armado na pele ávida.
Nas mãos amplamente abertas
guardamos em segredo o estirador,
nosso salvo-conduto.
Somos:
sem a desmedida função
de não sermos o que não queremos.
A noite invadiu tudo
mas ainda vamos a tempo
da sessão da meia-noite.

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