17.1.18

Gravidade zero

Um silêncio avassalador
na planície branca e tortuosa.
As vozes anciãs
incessantemente trémulas
incessantemente estremunhadas
um lugar onde tudo se liquefaz
nos sonhos insubordinados.
As frases
vêm despidas do sentido das palavras.
As pernas querem caminhar
e não se movem
não se conseguem mover.
A boca insinua um esgar
à procura de uma palavra
uma palavra que seja
na colheita necessária ao malogro do silêncio.
Mas só há silêncio
e a boca intempestivamente contrafeita
e o corpo inteiro a transbordar
e, todavia, anestesiado.
Operários ungidos de alvura
mexem no corpo.
A leveza toma conta das veias
e um sono sem noite
candidata-se a pesadelo tonitruante
a pesadelo que rasga as baias do silêncio.
A brancura
(dormente como é a brancura)
empresta o palco lívido,
devora a vontade
– desfaz a vontade a um zero absoluto.
Na forma de autómato
à mercê
do volúvel encadeamento de estados
e de palavras de outros
e de coisas alheias
e de lágrimas-veneno.
Até a paisagem caiada se estilhaçar
numa tempestade de cores.

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