26.1.18

Vozes

Ouço vozes:
pedem água sem espinhos
árvores sentadas nos braços
um garfo estendido no dorso do gato.

Ouço vozes:
às vezes, apenas um rumor
outras, trovões que esventram a manhã
em conspirações sem tutor.

Ouço vozes:
as palavras indiferenciadas
as palavras cuidadosamente detidas
o amontoado que se refaz numa frase.

Ouço as vozes:
as doces melodias balbuciadas
as dos contramestres em terra
as de cuidadosos assaltantes da angústia.

Ouço as vozes:
às vezes, um latido ao longe
que faz da noite sua refém
no desembaraço do sono estilhaçado.

Ouço às vozes:
um encanto
um porventura
um porém.

Ouço às vozes:
deslamento
desalinhar
dissidir.

Ouço com as vozes:
o triunvirato das páginas entre mãos
a espera da madrugada vindoura
o sorriso farto sem peias.

Ouço uma voz:
telúrica
demiúrgica
ecoante.

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