12.11.18

Corpos

Corpos estirados
na improvável sagração da lua
e o epítome da volúpia
obedece aos clarins sinfónicos
que tiram das cadeiras prensadas
a boémia inspiração que os espera.
As mãos abertas
verticalmente apontando o céu
fazem uma OPA à claridade enxuta.
Não perguntem às mãos ousadas
sua intenção
que elas recusam os termos vagos
dos curadores das palavras reprimidas 
– recusam a insinceridade
os termos em que hipócritas testamentos 
são selados.
Se dessem palco às mãos 
delas se diria serem ousadamente anticlericais
um garfo espetado na córnea dos puristas
açambarcando o estômago onde,
ansioso,
medra o lúmpen da vontade.
As mãos continuam em silêncio.
Só precisam do silêncio
dessa medida constante que arrebata o verbo
sem penitência das palavras
depois arrependidas.
As mãos assim adestradas
não sabem da palavra arrependimento.
Entronizam-se nas corolas policromáticas
fundem-se com as flores abundantes
insinuam-se em gestos sem medo;
são, na sua mudez,
uma constelação de palavras
maior do que os dicionários por junto.
Não:
mãos com esta têmpera
não vomitam as rédeas cingidas
não transigem na imodesta audácia
não se deixam trespassar 
pelos sacerdotes de variegada sotaina
não capitulam 
– não capitulam.
No púlpito,
paisagem esplêndida
que se empresta ao recorte da luz,
os corpos entregam-se.
Ensaiam a sua própria coreografia
no veludo em que se deitam
dando de si as centelhas que rompem a noite.
À noite aquartelada
teatro onde a função toma lugar
na telúrica erupção dos corpos transidos
às talhadas saciando-se um no outro
sem o vulnerável véu da tempestividade.
Cobram direitos de autor
os corpos assim transgredidos
e emudecem se lhes pedirem palavras.
Não se sabe
o ADN destes corpos
a não ser a lava que os desenha
matéria inconfundível
servida no suor para combustão
saliva gourmet.
Não desejem a finitude dos corpos
desta destravada dança sem tempo
nos palácios por habitar
a cada estocada a que se entregam.
Não os deixem
decadentes.
Que essa é condição indesejada
negação da fruição para que foram congeminados.
Que não sejam penhores do depois de amanhã
enquanto houver um amanhã por decantar.

Sem comentários: