8.11.18

Lúgubre

O funâmbulo articulado
erudito de ciência vária
letrado nas artes seculares
deixa-se enamorar 
pela súplica de um palco,
um palco que seja,
desde que de palco tenha vagar. 
As medalhas exibidas,
um régio manjar
que desautoriza recomendadas dietas,
aquelas que aconselham
a modéstia do trato
a humildade dos que,
mais do que dizem saber,
sabem que muito maior é o inventário
do que está por saber. 
E todavia
a ave pernalta
não ensimesma
(tem medo da experiência do avestruz):
cinge-se
ao sótão do pensamento
em pesporrente convencimento
de no sótão ser elevado, distinto,
o pensamento. 
Terá na mira da equação
o avinagrado verso de Pessoa:
“moro no rés-do-chão do pensamento”
para afivelar a cagança de seus pergaminhos.
Mal ocorre a lucidez de saber,
entre tão avassalador património de ciência,
que os sótãos pertencem
aos lúgubres síndicos das farsas desentrapadas,
aos contumazes dizedores da magra sabedoria. 
Pois no rés-do-chão do pensamento
moram os que o travejam
(ou não fosse o rés-do-chão
o púlpito dos esteios
em que se escora o pensamento pensado,
modalidade preferível
à do pensamento ilusionista).
E os sótãos
lúgubres desterros
onde armazenadas estão
as sobras do que deixou de ser pensamento.

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