Arregaço as mangas
e desço a corrente do rio
torno-me mais veloz do que as pedras
desamparado do medo contumaz
ajeitando o suor da melena
enquanto o sol cambaleia no torpor
e as rimas se esgotam
na acidez das palavras.
Componho os verbos irregulares
na proeza indómita do silêncio
e as árvores agitam-se no vento nulo
amedrontam-se com as nuvens plúmbeas
e os espantalhos inertes
vultos estiolados na temperada planície
capatazes da absurda lógica que penteia
o pensamento,
ilógico
desde que deixou de ser órfão.
Anteponho o entardecer à vontade
entre os parapeitos deslustrados
folhas caducas que amarelecem no ocaso
vozes murmuradas no epílogo de sonhos
a comiseração estéril de viúvas cansadas
e digo,
o mais alto que posso,
que ambicionava a eternidade
a espada das divindades imorredoiras.
Passa a lua por entre a luz timorata
e dela esgaça um feixe entre as nuvens finas
o provérbio escolástico estilhaça sob as mãos
e deixo que o sono se estenda na insónia
enquanto os vultos açambarcam o tempo
e deles sou algoz,
incompassivo,
agente secreto da perenidade do tempo,
dos tempos.
Não vejo que medida caiba em mim
antes que a manhã tome conta dos cardeais
antes que sobejem as bússolas gastas
despojadas no chão molhado pela maresia
e eu,
orvalho diletante,
unte as costas do dia com a proverbial destreza
dos aprendizes do nada.
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