22.3.21

Memória

Jurava que o contexto

era a parte do verbete

que menos interessava. 

Os dias movem-se

pelos dados atirados ao jogo

e ninguém tinha uma teoria

sobre o comportamento dos dados

(e a correspondência dos feitos).

Podia ser da marcha-atrás 

que às vezes é o penhor em falta

ou apenas 

a indizível farsa

desenhada na silhueta das palavras. 

E elas, 

as palavras,

reunidas na boca do vulcão,

acertadas no limiar do medo,

entoavam uma prece 

murmurada no estreito muro das sílabas

enquanto à volta a chuva entrava no cais

e as palavras impetravam

a luz sibilina que juntava as bocas ávidas. 

As sílabas abraçavam-se

num tentava

não vã

de compor os lados visíveis dos sonhos. 

Numa estimativa aproximada

as pessoas alinhadas no sopé do vulcão

esperavam pelo sinal das palavras

como se elas fossem 

o rastilho sem embaraço

o caudal que se oferecia ao navio

ainda em doca seca,

a contrafação dos boçais. 

Já ninguém esperava

pelos engenheiros das almas. 

O palco está cheio de partidas. 

Por cada tempestade

antecipam-se manhãs puídas

os olhos macilentos 

esconjuram as marés vivas

deixando a água a remoer-se 

no tamanho do dia. 

Não sabiam do que estavam à espera

as palavras pacientes na embocadura do vulcão

e as pessoas que as testemunhavam tão pouco,

como se as palavras 

pudessem ser ateadas pela lava

que ninguém esperava. 

O palco estava armadilhado,

alguém sussurrou. 

Logo se saberia

quando o fermento transbordasse do estuário

e a matéria-primasse se cindisse

nas estrelas avulsas que tutelam as juras. 

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