9.3.21

Resguardo

Disponho o estuário

no rumorejo que se distingue

do silêncio estival. 

É o tempo 

da avença sem espartilho

o lado obscuro

que amanhece no avesso da fala. 

Não me digam

que acabaram os comboios no apeadeiro;

não me digam

que sobrou o princípio geral do adiamento;

não me digam

que a vontade foi contrabandeada

e dos rostos sobrou

a melancolia. 

Participo uma intenção:

quero com uma mão

abraçar o mundo inteiro

ter a distância incalculável

à mercê de uma régua 

feita dos meus dedos. 

Não são as tempestades

que desarrumam a intenção,

não!

Povoo a paisagem

como um arco-íris 

arrancado a uma aguarela;

vejo-me parte integrante da paisagem

muito mais do que um esboço

que se divide 

com uma clepsidra arcaica. 

Se os versos dizem os espelhos claros

sou a luz não fortuita

que se deita sobre o dia:

e deixo que o dia

se alimente do meu húmus,

deixo

que os deuses adormeçam 

sob as vaias dos ingratos 

e a vigia dos lutuosos

– para depois

ajudando a maré a ficar alta

entrar pelo portão coroado de nada

poeta dos silêncios desarmados

proémio do corpo descarnado,

as vírgulas todas à mostra

e o estuque

em estilhaços a fazer de cama

aos seráficos 

que se arrastam pelo entardecer. 

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