28.7.16

Incêndio

Em papiro à prova do tempo
escrita a carta de todas as cartas
o tremendo testemunho para memória futura
em linhas desenhadas a ouro
por entre intempéries frígidas
e searas mostrando a pele dura.

O papel deitado ao acaso
voando entre os ventos balizados
ancorado num arbusto seco,
ou errando entre as árvores sem dono
não se sabe se procurando destino
não se sabe se tomada por mãos algumas
que leia suas resoluções.

Datada
a carta tremendamente intempestiva
aluvião de segredos,
segredos a que se pode chamar segredos,
nunca por outros sabidos,
composição inquieta dos calendários
vindouros,
tabulando o pretérito de que se quer rasto:
favores rogados a outros
sem saber se os outros
à hora do deslacrar do papiro
taliões da vontade outra serão.

O papiro perfaz a viagem sem rumo
aterra num campo cheio de flores
a ser consumido pelo fogo.
A carta não tem vontade
nem pode a sua errância ajuizar vontade alguma:
ao deus-dará
abrindo-se de seu lacre
ao ser beijada pelos iniciais lampejos do fogo,
extingue-se, incensada.

Não se soube
se precedeu a extinção do autor seu.

As cinzas pereceram na fértil colheita do fogo
e nem as letras desenhadas nas linhas a ouro
ficaram para memória futura.

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