27.7.16

O paraíso não

Dei uma volta no paraíso
por onde há nuvens amorfas
e émulos de bailarinas a dormir,
artistas emudecidos
e palradores emasculados,
paisagens acetinadas
e vinhos dignos dos deuses,
praias sem areia
e framboesas sempre maduras,
e jurei que seria uma bandeira desaforada.

Todavia
era um sonho
apenas um sonho.
Imaterial.

Ao contrário dos guerreiros
a quem prometem setenta e sete virgens
não chamo a mim sonhos de tanta abundância
(nem acredito que haja delícia nessas delícias).
Dei uma volta no paraíso
ou talvez apenas
nos escombros de um convento clandestino
onde se aposta em jogos de casino
(ilegais)
por entre a densa nuvem de tabaco.
Julgavam alguns ser um paraíso
– como paraíso podia ser um restaurante gourmet
uma espingarda avariada
o dente de leão amigo
o simulacro de um harém
um poema cozido com perfume de flores.

Desfiz a volta ao paraíso.
Desfiz a desonra promitente dos sonhos.

Embarquei no navio novo
onde só pontuavam marinheiros diligentes
ascetas da sabedoria que importa.
Os marinheiros eram unânimes:
atiravam o dedo para o firmamento
enquanto formulavam a demanda:
“quem acredita num paraíso?”
ou, em sua reformulação:
“para que serve um paraíso?”
Era uma pergunta retórica.
Emudeci
em sinal de não resposta
logo entendida pelos marinheiros
como dupla negativa em resposta.

Quando desembarquei
senti um odor fétido
a subir das entranhas do cais
desde as águas paradas
onde o novo navio estava fundeado.
Não haveria prova melhor
da inexistência do paraíso.

(Mas sempre podiam reclamar
em defesa do paraíso
– ou dos paraísos que interessassem –
que os marinheiros fizeram batota
com as águas do cais.)

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