2.8.16

Palavras contumazes

Não me deixaram prender as palavras
no mais alto clamor da manhã.
E nem uma candeia acesa
irrompendo entre o nevoeiro capaz
soube ser cais sereno das palavras silenciadas.
Queria ter mão nas palavras
dar-lhes mel forte
cores morígeras
um canto sem impurezas
usá-las para caiar as paredes sujas
e ciciar ao ouvido estrofes de amor.
As palavras mareavam, sem freio,
no céu noturno
num campo de estrelas,
rebeldes.
Queria apanhá-las entre os dedos
sentir o seu apelo telúrico
reinventá-las sem sentirem ultraje.
A manhã embaciada oferecia-se
palco majestoso.
Só que os olhos cansados pelo luto do sono
os sentidos em vertigem desassossegada
os espinhos esbranquiçando o corpo intimidado
a sensação de estar num avesso sem saída
– tudo conspirou para as palavras
serem contumazes em minhas mãos.

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