Arremete o espigão contra o escorpião
o maneta destemido
convolado sobre o dorso estreito da manhã.
O caudal do rio inunda o arroio
já não enxuto como no estio
uma torrente de destroços avulsos
tomando conta da correnteza.
Ao alto do promontório
o eremita
refugiado das dores do mundo
observa na pacatez do apoderado do mundo
a posição de quem o domina
por se ter elevado à cumeada.
Podia ensaiar uns versos alusivos
mas estava sem papel
(e a memória já não é como outrora).
Convence-se
que o miradouro
é a janela-sortilégio que o apodera.
Considera muito o poder.
Convence-se
que os desvalidos
os que sofrem com a inundação
e estão à mercê do caudal sôfrego
são os pajens do mundo.
O eremita sente-se no papel do escorpião.
E não se percebe porquê:
o poder é atributo inconsequente
para um tresmalho subproduto
alguém que se refugia dos outros
(pois o poder exerce-se
e é sobre os demais).
Desafiado pelo seu alter ego
(a consciência funda)
o eremita foi apanhado na curva libidinosa
no ardil do pensamento pretensioso
no foguetório inverosímil
do poder que se ostenta.
Não lhe era dado saber
como podia descalçar a bota.
Era mais cauteloso
não empreender a função:
a enxurrada podia trepar a montanha
e precisava das botas
para acautelar, secos, os pés juntos.
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