23.11.16

Alfabeto

A gravata apertada
abre a janela de um bojador velho
adiantando uns trocos para o futuro.
Bebem estorninhos cansados
boas águas vertidas da chuva
batendo as asas entorpecidas.
Chamam pela folhagem tardia
ciosos da chuva à espera
ciumentos de um inverno ausente.
Ditosos os bancos de jardim cansados
descendo na alma enfurecida
dádivas inesperadas.
Enquanto as paredes se consomem
esperando pelo lamento insaciável
entardecem as luzes coagidas pelos olhos.
Fermentam-se as avenidas corrompidas
fartas de palavras inoportunas
festejando os beijos oferecidos.
Gastam o zelo todo no umbral da noite
gota a gota
gabando proezas deitadas em braços alheios.
Horas sem sono
heras secas
homens exauridos sem fiador nem herdeiros.
Ilhas intempestivas na embocadura do rio
irrompem do nevoeiro poltrão
irradiam sorrisos escondidos nos contratempos.
Jogam-se dados ao acaso
jurando as profecias sem estatuto
junto com as lombadas frias de livros mudos.
Lembram-se os amantes dos relógios
lançando os lençóis desatados em vulcões
lentamente, pelas alvoradas despovoadas.
Marejados os olhos soturnos
mentindo às mentiras mordazes
meãs personagens que desaprova o palco quente.
Ninguém escolhe uma sepultura
nas dobras do tempo que se adia
navegando águas sedosas em caudais aplanados.
Oxalá sejam os senhores altivos
orquestradores de fatiotas ilustres
orvalho seco que refresca as folhas caducas.
Porque já não fazem sentido as perguntas
perdidas entre as sombras ausentes
pergaminhos em garrafas perdidas no mar.
Querem dar as mãos, num desafio aos perdedores,
quando as asas de um abutre se depõem no céu
quimera da solidão esventrada.
Rezam as viúvas contra os altares despedaçados
ratificando as preces vertidas nos salmos
rasurando as trevas dos descrentes.
Sozinhos estes, contra a sua incredulidade
soerguem os corpos em hedonismo reincidente
sorvendo a seiva toda do tempo farsante.
Tudo se compõe na pauta desalinhada
traduzindo as palavras inócuas
trazendo das trevas o escantilhão desejado.
Ulteriores movimentos da alma confirmam
ufanas almas em perdição
ultimando os lacres do púlpito inviável.
Vergado pelo ocaso das aves viajantes
validam-se as portas ruinosas da barbárie
viradas contra a aurora escura.
Xaile fino cobre os corpos exaustos
xadrez jogado contra os costumes alindados
xistoso leito onde se deitam as feridas almas.
Zelotes abraçados a metáforas
zurzem os desapoderados dos deuses
zangados com o despautério dos indigentes.

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